sexta-feira, julho 29, 2011

Abuso Sexual não é Piada!!! Zorra Total-Globo.

Abuso sexual não tem graça



SECRETARIA NACIONAL DE MULHERES DO PSTU


• Talvez você não perceba. Talvez até ache graça. Mas a violência contra as mulheres está sendo incentivada dentro da sua casa, de forma nada sutil, no humorístico Zorra Total. No principal quadro do programa, chamado “Metrô Zorra Brasil”, todos os sábados à noite, duas amigas travam um diálogo dentro do vagão lotado. Na fórmula do roteiro, lá pelas tantas, em todos os episódios, um sujeito se aproxima, encosta e bolina a mulher de várias formas. No episódio do dia 9 de julho, o quadro mostrou a mulher sendo “tocada” em suas partes íntimas com a “batuta” de um maestro.

A mulher atacada, Janete (Thalita Carauta), cochicha com sua amiga Valéria (Rodrigo Sant’anna), que, ao invés de defendê-la, diz: “aproveita. Tu é muito ruim, babuína. Se joga”. A claque ri.

O ataque relatado pelo programa acontece todos os dias com milhares de mulheres no nosso país. Só nós mulheres podemos medir a humilhação pela qual passamos nos trens e ônibus lotados e suas consequências. Não tem graça.

No metrô de São Paulo, o mais lotado do mundo, numa manhã de abril, uma jovem trabalhadora foi violentada sexualmente num vagão da linha verde, considerada uma das melhores. Um crápula a segurou pelo braço, ameaçou, enfiou a mão sob sua saia, rasgou sua calcinha e a tocou. Os passageiros perceberam, tentaram agir, mas o homem fugiu. O caso foi registrado como estupro na 78º DP da capital paulista. Impossível rir disso.

É sabido que a Rede Globo nunca foi uma defensora das mulheres e da diversidade. Neste momento mesmo, o diretor-geral da emissora exigiu que os autores da novela Insensato Coração acabassem com comentários favoráveis às bandeiras gays, e recomendou menos ousadia nas cenas entre os dois personagens homossexuais.

Mas o Zorra Total foi longe demais. O quadro do programa incentiva a violência contra às mulheres e o estupro, de uma forma sistemática, já que o ataque é parte da estrutura permanente do texto. Ou seja, todas as semanas, a Rede Globo diz que as mulheres que sofrem abuso sexual devem “aproveitar” e “agradecer”, como se fosse uma dádiva.

Repete a lógica do humorista Rafinha Bastos que, pelo Twitter, escreveu que as feias deveriam agradecer ao serem estupradas. E está sendo processado por isso.

O quadro tem alcançado liderança de audiência nas noites de sábado, atingindo cerca de 25 pontos de audiência. Ou seja, milhões de lares recebem toda semana a mensagem de que é natural abusar sexualmente de mulheres no metrô, nos trens, nos ônibus. Não é preciso muito para saber que o quadro certamente terá efeitos sobre esse público, naturalizando a violência contra a mulher, diminuindo a gravidade de um crime, tornando-o algo menor, sem importância.

Essa brincadeira não tem graça. É no mínimo lamentável que o talento da dupla de humoristas esteja sendo desperdiçado em um quadro que incentiva o ataque às mulheres trabalhadoras. É revoltante que a emissora líder mantenha um programa que defende práticas tão nefastas, num país onde uma mulher é violentada a cada 12 segundos; onde uma mulher é assassinada a cada duas horas; onde 43% das mulheres sofrem violência doméstica.

terça-feira, julho 12, 2011

Política Nacional de Humanização do SUS

É compatível a PNH (Política Nacional de Humanização) e a humanização do SUS, considerando seus problemas atuais?

            O SUS é fruto do movimento da Reforma Sanitária, visando a atenção integral, a participação da comunidade na gestão e controle social. E na 8° Conferência Nacional de Saúde que assegura a saúde como direito de todos e dever do Estado, visando romper a centralização, a visão medica curativa higienista e dando lugar a concepção medica preventiva, e analisando a saúde dentro de um processo, de uma totalidade, como ser biopsicossocial, histórico e cultural.
É na 9° CNS (Conferência Nacional de Saúde) que inicia-se a discussão da humanização da saúde, em 2003 o Ministério da Saúde define como uma das suas prioridades a humanização do SUS, o princípio de humanização do SUS enfatiza a necessidade de assegurar a atenção integral a sociedade e estratégia de ampliação os direitos e cidadania das pessoas e em 2004 foi instituída a PNH, visando a efetivação dos princípios do SUS, com o desafio de criar uma nova cultura de atendimento.
Os princípios são baseados na transversalidade, Indissociabilidade entre atenção e gestão, protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos. Para a efetivação foi instituído valores norteadores como: valorização da dimensão subjetiva, coletiva e social na garantia dos direitos dos cidadãos; trabalho em equipe multiprofissional; construção de redes cooperativas; fortalecimento do controle social; valorização da ambiência de trabalho (BRASIL, 2006a apud Silva & Arizono 2008).
A Política de humanização também elegem diretrizes, dispositivos e estratégias para a sua implementação. A Política Nacional de Humanização atua a partir de orientações clínicas, éticas e políticas, que se traduzem em determinados arranjos de trabalho. Como o Acolhimento, Gestão Participativa e cogestão, Ambiência, Clínica ampliada e compartilhada, Valorização do Trabalhador e Defesa dos Direitos dos Usuários.

O Acolhimento deve comparecer e sustentar a relação entre equipes/serviços e usuários/populações.  É construído de forma coletiva e tem como objetivo a construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços,  trabalhador/equipes e usuário com sua rede sócio-afetiva. Deve ser feito através de uma escuta qualificada oferecida pelos trabalhadores às necessidades do usuário, ouvir o usuário a com atenção. Podem ser usados vários mecanismos como a sala de espera, por exemplo.
            A Gestão Participativa e a cogestão, expressam a inclusão de novos sujeitos nos processos de análise e decisão quanto a ampliação das tarefas da gestão - que se transforma também em lugar de formulação e de pactuação de tarefas e de aprendizado coletivo. A organização e experimentação de rodas, para colocar as diferenças em contato para produzir mudanças nas práticas de gestão e de atenção. A PNH destaca dois grupos de dispositivos de cogestão: aqueles que dizem respeito à organização de um espaço coletivo de gestão que permita o acordo entre necessidades e interesses de usuários, trabalhadores e gestores; e aqueles que se referem aos mecanismos que garantem a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano das unidades de saúde.  
A ambiência visa a criação espaços saudáveis, acolhedores e confortáveis, que respeitem a privacidade, propiciem mudanças no processo de trabalho e sejam lugares de encontro entre as pessoas. Tornando o ambiente o mais agradável possível.
            A Clínica ampliada e compartilhada tem como objetivo contribuir para uma abordagem clínica que considere a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença. Permite o enfrentamento da fragmentação do conhecimento e das ações de saúde, utilizando da intersetorialidade. De modo a possibilitar decisões compartilhadas e compromissadas com a autonomia, emancipação e a saúde dos usuários do SUS.
            A Valorização do Trabalhador dá visibilidade à experiência dos trabalhadores e incluí-los na tomada de decisão, apostando na sua capacidade de refletir, definir e qualificar os processos de trabalho. Tornando possível o diálogo, intervenção e análise do que gera sofrimento e adoecimento, do que fortalece o grupo de trabalhadores e do que propicia os acordos de como agir no serviço de saúde. É importante também assegurar a participação dos trabalhadores nos espaços coletivos de gestão.
A Defesa dos Direitos dos Usuários de saúde, já que estes possuem direitos garantidos por lei e os serviços de saúde devem incentivar o conhecimento desses direitos e assegurar que eles sejam cumpridos em todas as fases do cuidado, desde a recepção até a alta. Todo cidadão tem direito a uma equipe que cuide dele, de ser informado sobre sua saúde e também de decidir sobre compartilhar ou não sua dor e alegria com sua rede social.
O trabalho do Assistente Social nesse processo de humanização do SUS é fundante no projeto ético-político do Serviço Social brasileiro, principalmente em sua experiência com a interdisciplinaridade e com a abordagem sócio-educativa. O horizonte da profissão gira em torno da viabilização dos direitos humanos, expressos principalmente nas políticas sociais.
Em sua formação, o assistente social é preparado para a humanização das relações sociais, a escuta e o diálogo, o reconhecimento dos direitos da cidadania, em perceber o outro, ouvir o não dito. Este encontra-se capacitado para a identificação dos determinantes e vulnerabilidades sociais de maneira crítica e qualificada, para que a pessoa seja vistas na sua integralidade e totalidade, analisando  multidimensionalidade do humano.
O Serviço Social tem muito a contribuir na criação de condições para a releitura e análise crítica dos envolvidos com a saúde, proporcionando uma revisão do papel dos atores sociais como um todo. Intensificando o compromisso e a participação com a saúde, com atividades com os usuários, os trabalhadores e os gestores. Atuando principalmente na mobilização dos sujeitos essenciais pra a humanização da saúde, propiciando condições pra que a população supere uma perspectiva ingênua e mistificada e passe a refletir sobre a realidade de forma crítica e argumentada.
A humanização da saúde é uma discussão recente, difícil de ser implementada numa realidade tão adversa, complexa e contraditória, onde a anos as relações são burocráticas, impessoais, hierárquicas clientelistas e autoritárias. A humanização trás princípios que são antagônicos ao da atual sociedade capitalista, onde os valores são o lucro, e a coisificação da pessoa humana. Então seu processo de implementação será muito mais árduo.
Nessa sociedade mistificou-se o discurso político, tanto em relação ao direito, como o papel do ser humano como protagonista. Soma-se a isso uma forte ofensiva do ideário neoliberal e péssimas condições de trabalho, a centralização na figura médica, a falta de financiamento, uma péssima formação nas universidades, sucateamento das políticas e serviços sociais, sem equipamentos e a população não se sentindo participante do controle de seus direitos, tornando a efetivação da política ainda mais árdua.
É necessário investir mais em grupos de discussão, no fortalecimento do controle social, dos conselhos e conferências, fazer com que a população participe ativamente das tomadas de decisões; investir na gestão do trabalho, ou seja, cuidar dos profissionais que cuidam, pois ganham péssimas remunerações e trabalham cada vez mais; impulsionar o matriciamento, em grupos de apoio. É preciso um pacto político para dar sustentabilidade ao SUS, é preciso que toda a sociedade discuta a saúde como direito de todos e dever do Estado.
Essa mudança de relações no SUS deve ultrapassar as paredes dos hospitais e clínicas, o debate sobre humanização tem que partir de toda a sociedade brasileira, principalmente dos movimentos sociais e trabalhadores. Devemos resgatar uma formação profissional na atuação em saúde que contemple a saúde humana em sua complexidade, que veja o processo saúde-doença em sua totalidade, com caráter biopsicossocial e histórico. Devemos investir numa cultura que defenda a vida, que desalienem e possibilite um trabalho prazeroso e criativo, que problematize a realidade e intervenha de maneira crítica, técnica e qualificada na sua transformação.
É preciso entender que o processo de humanização vai muito além da PNH, e que se hoje há grandes desafios, é mais um motivo para defendermos e lutarmos pela sua efetivação. Entendo que a humanização da saúde é um processo longo, dinâmico, árduo, cheio de desafios e dilemas. É algo novo pra a sociedade brasileira, é transformação, e isso sempre é mais difícil de ser efetivado, por se ter medo do novo. É através do tempo que as pessoas vão se sentirem seguras, para que as dificuldades possam ser superadas, para que os sujeitos possam olhar a realidade de forma diferente, refletindo sobre suas ações de modo que possa contribuir para a transformação da sociedade de forma positiva, na revisão de valores, conceitos e condutas, para que a utopia seja alcançada e a humanização se torne realidade.




REFERÊNCIAS:
• SILVA, Regina Célia Pinheiro da. & ARIZONO, Adriana Davoli. A política nacional de humanização do SUS e o Serviço Social. In: Revista ciências humanas – Universidade de Taubaté (UNITAU). Brasil, vol. 1. N. 2, 2008.

• < http://portal.saude.gov.br/ > Acessado em 02 de julho de 2011.


Shellen e Aline

domingo, julho 10, 2011

Vendi e Estou vendo


Eu vendo minha força de trabalho
O meu suor, o meu cansaço
 E tudo que resta de mim

Eu vendo o meu corpo, a minha mente
A minha alma descontente
Por que me fizeram assim

Eu já nasci dessa maneira preparado
Com os meus pais me educando para ser trabalhador
E na minha vida todo meu aprendizado
Foi tudo direcionado pra ser hoje quem não sou

Ai me desculpe meus pais
Possa ser que já fui
Pode ser que ainda sou
Mas não quero ser mais

Ai me desculpe meus pais
Hoje trabalhador
Operário eu sou
Vivo a vida sem paz


E desse jeito eu segui por muito tempo
Fui chorando e fui sofrendo
Pra ser um merecedor
Merecedor de um salário miserável
De uma vida incontestável
Nas mãos de um explorador

O meu produto vejo diante da minha frente
Pensando infelizmente
Eu não posso nem comprar

Digo meu Deus: como sou tão inteligente
Isso foi fruto da minha mente
E ainda posso melhorar

Ai me desculpe meus pais
Possa ser que já fui
Pode ser que ainda sou
Mas não quero ser mais

Ai me desculpe meus pais
Hoje trabalhador
Operário eu sou
Vivo a vida sem paz

E desse pouco tempo ainda que me resta
Largo tudo e saio desta
Vou pra festa festejar

E o trabalho que sugou toda minha vida
É o ponto de partida
Do que vou abandonar

Agora vivo meu momento eternamente
Como se fosse pra sempre
Sem esperar acabar

E a lembrança do trabalho que fiquei
Foi o dia em que deixei
Para nunca mais voltar

Ai me desculpe meus pais
Possa ser que já fui
Pode ser que ainda sou
Mas não quero ser mais

Ai me desculpe meus pais
Sem trabalho eu estou
E não sinto mais dor
Pra viver minha vida em paz!

 Livio Brandão

Revoluções no oriente

Revoluções no oriente
A questão central em todo o Oriente Médio (OM) não é e nunca foi religiosa. Os conflitos são essencialmente políticos. São disputas territoriais, coloniais, por recursos energéticos e hídricos

por Lejeune Mirhan*

Os árabes são uma civilização com milhares de anos de existência. Vivem na Península Arábica e na região da Palestina e Babilônia e seu legado é imenso. Pelo menos desde o ano de 630 da nossa era, os árabes construíram um império, decorrente da força da religião que Mohamed – ou Maomé, como é conhecido no Ocidente – fundou, que é o islã.

Os árabes em todo o mundo se encontram espalhados por 21 países, mais a Palestina (ocupada por Israel) e a República Sarauí (ocupada pelo Marrocos). A Liga dos Estados Árabes, fundada em 1945 no Cairo, aceita a Palestina como membro, sendo integrada assim por 22 Estados-membros. São oito monarquias absolutistas (ou petromonarquias, ou “monarquias americanas”, ou apoiadas pelos EUA) e 13 “repúblicas” (de fachada, pois na prática são ditaduras).

As potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial em 1918, a Inglaterra e a França, colonizaram praticamente todos os países da região do Oriente Médio (OM) e do Norte da África (conhecido como Magrebe). Interessante observar como as fronteiras entre esses países são retas, como se fossem divididas por riscos feitos com lápis num mapa da região. As “independências”, por assim dizer, iniciaram-se em 1922 (no caso do Egito) e foram concluídas em 1977 (com o Djibuti*).

Djibuti » O pequeno país, localizado no nordeste da África, sobrevive da crise no Oriente Médio à medida que lucra com a ocupação local por equipes humanitárias e bases militares. Mas sua renda per capita é inferior a US $ 1.000 anuais
Os árabes somam 347 milhões de pessoas em todo o mundo ou 5,18% da população mundial. A soma de todos os PIBs de seus países chega a US$ 2,477 trilhões, ou apenas 4% de todo o PIB mundial. No entanto, com relação às reservas de petróleo, os países árabes detêm 685,11 bilhões de barris, ou exatos 50,81% das reservas mundiais (veja quadro Dados Econômicos e Populacionais dos Países Árabes).Por fim, com relação à produção diária de óleo, esses países produzem todos os dias 22,967 milhões de barris, o que significa 27,26% da produção total no mundo, que é de 84,24 milhões de barris/dia (b/d) . Esses dados são aqui apresentados porque o conflito existente no OM guarda uma relação direta com a estratégia de controle dessa fonte de energia (que não é renovável). Sabe-se que não há como o mundo substituir a sua dependência do petróleo e gás natural pelos próximos 30 ou mesmo 50 anos.

Os Estados Unidos consomem todos os dias 19,497 milhões de barris, mas produzem apenas 7,27 milhões de barris, ou 37,42%. Dessa forma, precisam importar todos os dias 12,22 milhões de barris, que vêm em boa parte de países árabes.

A soma de todos os PIBs dos países árabes chega a US $ 2,477 trilhões, ou apenas 4% de todo o PIB mundial. Já as reservas de petróleo somam 50,8% do total mundial do recurso

Os maiores países ocidentais não são produtores de petróleo. Os casos mais marcantes são o do Japão, que precisa todos os dias de 5,57 milhões de barris, a Alemanha necessita de 2,677 milhões de b/d, a Coreia (do Sul) 2,061 milhões de b/d, a França 2,06 milhões de b/d, a Itália 1,874 milhão de b/d e a Espanha, de 1,537 milhão de b/d (veja Quadro Países Não Produtores de Petróleo).

Os maiores exportadores de petróleo do mundo, com valores em milhões de barris por dia (b/d), pela ordem, são: Arábia Saudita (8,651), seguida por Rússia (6,65), Noruega (2,542), Irã (2,519), Emirados Árabes (2,515), Venezuela (2,203), Kuwait (2,146), Argélia (1,847), Líbia (1,525) e Iraque (com 1,438) (veja Quadro Países Exportadores de Petróleo). Por esses dados, vê-se que os países árabes exportam todos os dias 18,122 milhões de barris. Se agregarmos o Irã, país persa com linha política anti-imperialista, esse número eleva-se para 20,641 milhões de b/d. Daí a estratégia imperialista de controle da região.

As maiores empresas petrolíferas privadas são ExxonMobil (EUA), ChevronTexaco (EUA), Shell (Holanda), British Petroleum (Inglaterra), Total (França) e ConnocoPhilips (EUA). Todas elas, juntas, empregam 514 mil trabalhadores e faturam por ano US$ 1,697 trilhão. No entanto, respondem por apenas 10% de toda a reserva de petróleo do mundo (veja quadro Seis Irmãs das Indústrias de Petróleo).

Por fim, é relevante destacar a questão do islã. Hoje existem no mundo 1,6 bilhão de muçulmanos praticantes (dos quais 1,4 bilhão é sunita e apenas 200 milhões são xiitas). Não devemos confundir “muçulmanos” com árabes. Nem todo muçulmano é árabe e nem todo árabe é muçulmano. Apenas 8% dos árabes não são muçulmanos (27,76 milhões; geralmente cristãos cooptas ou ortodoxos; católicos são residuais). Em termos mundiais, apenas 19,95% dos muçulmanos no mundo todo são árabes (um em cada cinco).
Panorama da Revolução Árabe
1. Obama perde nesse processo. Seu discurso no Cairo em julho de 2009, estendendo a mão aos muçulmanos, provou-se uma farsa. Não deu passo algum para respeitar os muçulmanos e os árabes em geral. Insiste em classificar partidos políticos como o Hamas e o Hezbolláh como “terroristas”, e não são. Vai se antagonizando com mais de 1,6 bilhão de muçulmanos de todo o mundo.
2. Os novos governos árabes não serão tão subservientes com os norte-americanos. O que tanto os Estados Unidos sempre tiveram pavor poderá acontecer, que é a participação, com destaque, da Irmandade Muçulmana nos governos árabes. Os países tendem a se afastar da órbita da Otan, da União Europeia e mesmo dos Estados Unidos.
3. Israel poderá sair derrotado. Perdeu seu discurso de que o maior inimigo é o Irã, que este precisaria ser derrotado e bombardeado e que seu programa nuclear visa à construção da bomba atômica. Terá de voltar à discussão do Estado Palestino.
4. Um novo Oriente Médio será construído . Deverá crescer a democracia, os partidos terão maiores liberdades, bem como a imprensa. Eleições gerais devem ocorrer em curto prazo no Egito e na Tunísia. O OM nunca mais será o mesmo depois desse imenso tremor político ocorrido.
5. O islã não é a solução. Dificilmente veremos um Egito, uma Tunísia ou qualquer outro país árabe como repúblicas islâmicas. Os países seguirão sendo laicos em toda a região, tal qual o Iraque e a Síria sempre foram.
6. O Irã se fortalece no OM. Por razões diversas, mas em especial por sempre ter apoiado a causa palestina e todos os movimentos revolucionários antiamericanos na região. Ainda pelo fato de que vem enfrentando, quase que sozinho, o império norte-americano na sua defesa pela soberania, independência nacional e pela condução de seu programa nuclear para fins pacíficos.
7. Crescerá o nacionalismo árabe. Fundado por Gamal Abdel Nasser, poderá ganhar papel preponderante. Esse nacionalismo defende a soberania e a independência dos países árabes, respeito aos direitos de seu povo e solidariedade ao povo palestino. A esquerda poderá crescer.
8. Modelo neoliberal em xeque. Difícil que os rumos da revolução árabe substituam o modelo capitalista pelo socialismo. No entanto, encontra-se em xeque o modelo de capitalismo financeiro denominado neoliberal.
9. Mitos e “teorias” que caíram por terra. Pelo menos dois. Que as redes sociais da internet e os celulares foram os responsáveis pela revolução árabe. Apenas 20% da população egípcia tem acesso à internet (em outros países, ainda menos) e apenas um terço possui celulares. Que não houve líderes e o processo foi espontâneo. Lideranças ficarem ocultas ou não serem famosas não significa ausências de líderes. Quanto às “teorias”, pelo menos duas esfumaçaram-se: a de Francis Fukuyama (O Fim da história) e a de Samuel Huntington (Choque de civilizações). A de Fukuyama já estava desmoralizada há uma década. Agora se enterra de vez a de Huntington.
10. Crise e declínio do s Estados Unidos. Os EUA sofrem maior aprofundamento e desestabilização em seu processo de declínio de sua posição hegemônica no sistema de relações internacionais com a presente Revolução Árabe, que tem sentido democrático, popular e anti-imperialista.
http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279089.jpg

De uma coisa temos certeza: a democracia se constrói pela soberania de um povo. Os EUA passaram anos afirmando que levariam a “democracia” para o OM . “Durante nove anos os EUA forçaram uma porta, que só se abre para fora. E mais. Essa porta só se abre por vontade própria. Os acontecimentos das últimas semanas demonstraram com clareza que não apenas partes importantes do OM estão prontas para a mudança, mas também esse impulso vem de dentro”, afirmou o professor de Relações Internacionais da Universidade de Boston Andrew Bacevich. Cem por cento de acordo.

A história recente dos levantes
Certa vez, perguntaram para Chu En Lai, um dos líderes da Revolução Chinesa de 1949, o que ele achava da Revolução Francesa de 1789. Tal pergunta foi feita no início dos anos 1970. A sua resposta, como bom chinês, foi: “ainda é cedo para dizer”1. Danton, líder dessa revolução, dizia: “precisamos de audácia, mais audácia e sempre audácia”. É verdade. Ele foi guilhotinado e quem o guilhotinou também morreu dessa forma. São as idas e vindas de uma revolução. Depois disso veio Napoleão (1800), a Restauração (1814), a Revolução de 1848 (que incendiou parte da Europa), a Comuna de Paris (em 1871). Por isso é muito prematuro formar uma opinião mais completa do processo revolucionário em curso no mundo árabe.

Cabe aqui, no entanto, um pequeno histórico do processo. Os levantes populares em curso no OM tiveram seu início, de forma inesperada, com o caso do jovem de 26 anos Mohamed Bouazizi, um vendedor de frutas ambulante com formação universitária. Inconformado com o fato de a polícia corrupta ter-lhe tomado seu carrinho, que era seu ganha-pão, por ele não aceitar pagar propinas, decidiu atear fogo ao seu corpo em frente ao palácio presidencial onde governava, desde 1988, o ditador Zine Abdine Ben Ali. Isso ocorreu em 15 de dezembro de 2010. A partir desse momento, até a queda do regime em 16 de janeiro, transcorreram 32 dias de grandes manifestações.

A polícia atacou com fúria a multidão diariamente que, de peito aberto, a enfrentou. O ditador – chamado pela imprensa internacional durante todos esses anos de “presidente” por ser amigo de Washington – fugiu em debelada com sua família e, dizem, com mais de cem malas carregadas de ouro e dólares.

Sabe-se que não há como o mundo substituir a sua dependência do petróleo e gás natural pelos próximos 30 ou mesmo 50 anos. E os governos longevos e ditatoriais garantem a estratégia norteamericana de domínio do fluxo na região dos países árabes

Em todos os 22 países árabes temos a presença de governos longevos. Ou são monarquias absolutistas ou são ditaduras disfarçadas de democracias, onde a cada cinco ou seis anos, fazem-se “eleições” farsescas, fraudulentas para tentar legitimar ditadores amigos dos Estados Unidos. Desta forma, garantem ao império norte-americano a defesa de seus interesses nessa estratégica região, em especial a garantia do fluxo de petróleo para a América, a passagem dos seus navios petroleiros e cargueiros pelo Canal de Suez e pelo Estreito de Ormuz no Golfo.

Há também a questão estratégica da defesa incondicional por parte dos EUA, do Estado sionista de Israel. “No caso da política de Obama para o OM, são cegos guiando um cego e cegos aconselhando um cego no salão oval da Casa Branca”, afirmou em seu blog a escritora e jornalista inglesa Helena Cobban, em uma clara alusão a Bill Daley, Ben Rhodes, Tony Blinken, Denis McDorough, John Brennan e Robert Cardillo, assessores e conselheiros de diversas funções de Obama, todos, indistintamente, militantes fanáticos pró-Israel e a serviço do lobby judaico.
Acerta Ury Avnery, um dos maiores escritores e intelectuais israelenses, quando diz: “estamos passando por um evento geológico. Um terremoto de vastíssimas dimensões, que está mudando a paisagem no OM. Montanhas viram vales, ilhas emergem do mar e vulcões cobrem a terra de lava”.

Como diz o professor da Universidade Americana de Beirute, Ahmad Massouli*, Obama comete erros e mais erros na sua política externa para a região. Não consegue sequer barrar os assentamentos judaicos na Cisjordânia (os EUA vetaram em 18 de fevereiro o congelamento no CS/ONU) e vai se antagonizando com mais de 1,6 bilhão de muçulmanos de todo o mundo. Massouli arrisca dizer que vamos presenciar um novo mundo árabe, revolucionário e que não será mais submisso aos interesses norte-americanos. Os EUA só conseguirão criar boas relações com o mundo árabe quando a questão palestina estiver completamente resolvida.

Ahmad Shah Massoud » Ministro da Defesa do Afeganistão em 1992, firmou-se como líder militar na ascensão do regime Talibã. Representou a Frente da União Islâmica para a Salvação do Afeganistão, a Aliança do Norte, mas foi morto pela Al Qaeda em 2001.


http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279094.jpg

http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279095.jpg

Sem exceção, os governos árabes próamericanos têm como características: 1. Sempre combateram o comunismo desde a chamada Guerra Fria; 2. Desde 1979, combateram o Irã de Khomeini; 3. Tudo fazem para liquidar o islã político, a que chamam de “fundamentalista”; 4. Sempre adotaram posições contrárias aos movimentos sociais, em especial contra os sindicatos; 5. Atuaram sempre contra as resistências libanesa e palestina. Foi nesse caldeirão que a revolução árabe teve início.

Regra geral, as grandes reivindicações, praticamente unânimes em todos os países, são as seguintes: 1. Revogação do Estado de Emergência; 2. Libertação de todos os presos políticos; 3. Liberdade de organização partidária; 4. Liberdade sindical e de organização social; 5. Liberdade da imprensa e de expressão; 6. Eleições livres para presidente e para o Parlamento; 7. Convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Livre, Democrática e Soberana.

Não está claro se tais avanços serão possíveis, em especial na Tunísia e no Egito, que foram os primeiros países a derrubarem seus governantes. “Para impor mudança tão ampla, o movimento de massas egípcio teria de quebrar a espinha dorsal do regime, que é o seu exército”. Não se vê, no momento, condições para que isso ocorra. A tomada da “Bastilha” egípcia não aconteceu. “O espírito do governo de Hosni Mubarak, a essência de seu regime, seus métodos estão longe de terem acabado” .
http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279096.jpg
 
Os levantes populares em curso no OM tiveram seu início, de forma inesperada, com o caso do jovem de 26 anos Mohamed Bouazizi, que se imolou publicamente

Um dos maiores sociólogos da atualidade, Immanuel Wallerstein, conclui: “Os EUA, aflitos para ficarem ao lado dos vencedores, mas sem saber exatamente quais serão e sem querer perder o apoio dos ditadores e monarcas absolutos de que ainda julgam precisar, fazem do Irã e da Turquia os dois maiores ganhadores com o processo revolucionário que agita os países árabes”. Sendo assim, “é possível que estejamos testemunhando o nascimento de um novo tipo de política revolucionária que não é definido pelos protestos maciços das massas nas ruas, mas pela maneira como os participantes se reuniram”.

A questão central em todo o OM não é e nunca foi religiosa. Claro que o componente religioso pode existir, mas os conflitos são essencialmente políticos. São disputas territoriais, coloniais, por recursos energéticos e hídricos. Nesse sentido, Robert Fisk menciona: “se são revoltas seculares, por que só se falam das religiões?”. Até esse jornalista inglês fica espantado com isso. Não há dúvidas que isso faz parte de uma estratégia midiática para tentar mostrar o pano de fundo dos conflitos no OM como religioso, para enganar as massas e, mais do que isso, indispor bilhões de pessoas contra uma das maiores religiões, que é o islã.

Uma revolução em curso
 
A concepção de esquerda marxista ensina que o termo “revolução” está relacionado diretamente com a tomada revolucionária do poder, mudanças profundas na estrutura de direção do Estado de um determinado país e, fundamentalmente, de troca da classe social que manda no país. Ou seja, mudanças na superestrutura, na economia, na ideologia, nos costumes, etc.

Mas o que está ocorrendo mesmo no mundo árabe? Uma “revolta”? Uma “insurreição”? Uma “rebelião”? É fato que tudo isso está acontecendo por lá. Mas está, sim, em curso uma revolução nesse mundo. Que caráter terá essa revolução é que no momento não é possível prever. Será essa revolução meramente democrática e patriótica? Será uma revolução mais avançada, de caráter mais popular e progressista? Ou chegará a ser até socialista, alterando profundamente o modelo econômico dos países, que hoje são todos capitalistas de inspiração neoliberal?


Quando Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido como Lenin, líder da Revolução Bolchevique de outubro de 1917, tratou desse tema, dois anos antes desse histórico acontecimento, estabeleceu claramente as condições objetivas para que uma revolução pudesse ocorrer em um determinado país. E isso é uma das formulações do pensamento científico marxista, sobre as leis gerais das sociedades humanas. Essas condições objetivas ocorrem quando “os de cima já não conseguem mais governar como antes e os de baixo já não aceitam mais ser governados como antes”. Isso pode ser lido no texto Bancarrota da II Internacional, escrito entre maio e junho de 1915.
Ele diz que as condições objetivas são decorrentes de questões relacionadas com a materialidade da vida das pessoas. Isso poderia ser desemprego elevado, fome e miséria, ausências de liberdades, arrocho salarial, repressão política, etc. Tudo isso não determina, ainda assim, que as condições subjetivas para que uma revolução aconteça estejam dadas.
É preciso que ocorra uma combinação entre as condições objetivas e as subjetivas. Estas últimas guardam uma relação direta com a necessidade de uma liderança política revolucionária – aqui entra a necessidade de um partido de feições revolucionárias, detentor de uma teoria revolucionária que, além de dar uma direção correta para as amplas massas, contribua para elevar seu nível de consciência política.
É possível que estejamos testemunhando o nascimento de um novo tipo de política revolucionária. Processo está em curso, com caráter progressista, mas sem liderança
Se apenas as condições objetivas fossem suficientes para que uma revolução de caráter mais socialista ocorresse, a Índia, o Paquistão, o Afeganistão e tantos outros países extremamente pobres já seriam os mais socialistas do mundo. E não são. Faltam-lhes as condições subjetivas, um partido avançado com uma teoria revolucionária. Dessa forma, não há erro conceitual algum em que se use o termo Revolução Árabe. O seu caráter vai depender das lideranças que a conduzem – pulverizadas por vários países – e os compromissos e tarefas que ela possa vir a assumir.
Portanto, há sim um processo revolucionário em curso, com caráter anticolonial, democrático e progressista geral, mas que ainda tem a sua liderança em disputa. E essa disputa, diga-se de passagem, não é com ninguém menos que a maior potência política, militar e econômica do planeta, que são os Estados Unidos da América. Tal revolução ou revoluções – são vários países em processo avançado de mudanças – nada tem a ver com as que ocorreram no leste europeu, que tinham, a propósito, alguns nomes de cores (Laranja, de Veludo, Rosa e outras bobagens mais).




http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279100.jpg

 Lejeune Mirhan é sociólogo, professor, escritor e arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. 

sexta-feira, julho 08, 2011

Do nada recebo um scrap com a seguinte pergunta:


Oi Shellen
*o que  motiva seu pensamento critico 
* De que forma você acha que se pode mudar alguma coisa (exemplo protesto ? ) 
*  Qual seu pensamento sobre o pensamento da maioria das pessoas de hoje em dia
(exemplo , fútil, inteligente,ignorantes,vitimas de uma manipulação,  críticos  ? )

Ai decidi colocar minha resposta aqui...

O que motiva meu “pensamento crítico” é nada mais nada menos do que a realidade tão contraditória, tanta riqueza em contra partida tanta escassez. Resumindo né... o que move é a desigualdade, a falta de liberdade, falta de vida, essa opressão que nos é colocada diariamente. O que me move é a construção possível de uma sociedade mais justa, livre e igualitária, sem exploração e dominação. O que me motiva é a construção de um projeto societário que tenha o humano como valor central, e também a emancipação e autonomia deste.

As mudanças não são fáceis, por que as pessoas, principalmente hoje, são muito condicionadas, tem medo do novo, esquecem que nós mesmo fazemos a história, e com o jargão de que “sempre foi assim e sempre será” ou de que “não sei, só sei que foi assim”, naturalizando as relações sociais. Essa mudança para mim é um longo processo, não se dará de um dia para outro. Então eu já tenho em mente que, em analogia, estou só "quebrando pedras" outros irão plantar, e outros irão colher.
Acredito que essa mudança só será possível quando a maioria esmagadora que sofre essas desigualdades tomar consciência disso, e enxergar que ela pode mudar essa realidade, é o que nós costumamos chamar de Revolução. Um protesto, dependendo do mesmo, é algo muito pontual, e a revolução não só se dá no ativismo, é um processo ideológico também. A educação, por exemplo, é um meio para este fim.

Em relação a maioria... a maioria hoje passa por um processo de alienação muito forte, e eu e os outros também não estamos fora disso. Porém, eu já consegui me libertar um pouco do CONDICIONAMENTO que esta sociedade impõe. A maioria é sim vítima de manipulação. São condicionados por vários meios a acreditar que esta sociedade como esta posta é insuperável, e o jeito é se acomodar. E essa manipulação esta presente em tudo, nas relações familiares, na educação, na mídia, a ideologia dominante conservadora está presente em todos os âmbitos. Mas temos que entender isso, que todos somos seres humanos, e pensamos, mas esses pensamentos e opiniões são condicionadas e enculcados.

quinta-feira, julho 07, 2011

Reflexões sobre a esquerda na América Latina


Por Valter Pomar*
A crise internacional dos anos 1970, mais exatamente a atitude dos EUA para enfrentar esta crise, desencadeou no mundo e na região ALC um processo regressivo, caracterizado pelo colapso da social-democracia européia, dos nacionalismos africanos, dos desenvolvimentismos latinoamericanos e do socialismo de tipo soviético; e, ainda, marcado pela crise da dívida externa e pela ascensão do neoliberalismo.
Nas décadas de 1980 e 1990, o neoliberalismo tornou-se hegemônico na América Latina, acentuando a dependência, a desigualdade e o conservadorismo político característicos do período anterior.
Na América Latina, nos anos 1990, a defesa dos interesses nacionais, populares, democráticos e socialistas entrou numa etapa de defensiva estratégica. Noutras palavras: num contexto marcado pela crise do socialismo e pela ofensiva neoliberal, tratava-se de defender as conquistas obtidas no período anterior.
A partir da segunda metade dos anos 1990, esta situação de defensiva estratégica das forças populares coincidiu com um período de grande instabilidade internacional, decorrente da combinação entre dois fenômenos: a crise do capitalismo e o declínio da hegemonia dos EUA.
Temos, de um lado, uma crise de acumulação, que se manifesta direta ou indiretamente em todos os terrenos: financeiro, comercial, cambial, energético, alimentar, ambiental.
De outro lado, temos a reacomodação geopolítica, resultante: a) das dificuldades que os Estados Unidos enfrentam para manter sua hegemonia mundial; b) do aguçamento das contradições inter capitalistas, crescentes após a derrota do bloco soviético; c) do fortalecimento de potências concorrentes, especialmente a China.
Este período de grande instabilidade internacional, causado pela combinação entre os fenômenos geopolíticos e macroeconômicos acima citados, é e continuará sendo marcado por crises, guerras e revoltas sociais.
Não é possível saber quanto tempo durará este período de instabilidade internacional. Isto, bem como o mundo que emergirá depois, dependerá de como se articule a luta política, dentro de cada país, com a luta entre Estados e blocos regionais.
A luta entre Estados e blocos regionais é, hoje, polarizada de um lado pelos Estados Unidos e seus aliados europeus e japoneses; de outro lado, pelos BRICS e seus aliados.
Diferente do que ocorria antes de 1945, hoje temos uma disputa entre Estados da (quase) antiga periferia e Estados do (quase) antigo centro. E, diferente do que ocorria antes de 1990, hoje trata-se de uma disputa nos marcos do capitalismo.A América Latina é um dos cenários desta disputa entre os Estados Unidos e os BRICS. Do ponto de vista geopolítico, considerando o médio e longo prazo, há pelo menos três cenários possíveis. No primeiro deles, os Estados Unidos mantém sua condição de potência hegemônica mundial e regional. No segundo deles, os Estados Unidos perdem sua condição de hegemonia mundial, mas se mantém
como potência regional. No terceiro cenário, o mais favorável para ALC, os Estados Unidos deixam de ser potência hegemônica mundial e também deixam de ser potência hegemônica regional.
A disputa EUA/BRICS se dá nos marcos do capitalismo. Mas na ALC há uma variável excêntrica a ser levada em conta: como resultado de um processo iniciado em 1998, constituiu-se na região uma forte influência da esquerda.
Esta influência da esquerda torna factível que a ALC constitua-se, não um cenário passivo, mas um dos pólos do combate de natureza geopolítica que está em curso no mundo. Assim como torna factível fazer, da região, um dos espaços de reconstrução de uma alternativa socialista ao capitalismo.
Para transformar estas duas possibilidades em realidade, a esquerda de ALC terá que enfrentar vários desafios teóricos, estratégicos e táticos.
O primeiro destes desafios é derrotar o contra-ataque promovido pela direita latino-americana e seus aliados metropolitanos.
O segundo e o terceiro desafio da esquerda político-social de ALC consistem em: a) não perder os governos nacionais conquistados até agora; b) conquistar novos governos nacionais.
O quarto desafio da esquerda político-social é, nos países onde controla o governo nacional, impulsionar mudanças estruturais de natureza democrático-popular.
Se a esquerda no governo não for capaz de realizar ou ao menos dar passos no sentido destas reformas, ele não possui significado estratégico, por mais que no imediato contribua para melhorar a vida do povo. E a não realização de tais reformas pode decepcionar e dividir os apoiadores da esquerda, como em parte ocorreu no Chile, com a Concertación.
Mas para realizar reformas estruturais (ou pelo menos para acumular forças neste sentido), um governo de esquerda precisa de sustentação política, sem o que ele pode ser derrubado, como ocorreu com o governo de Honduras.
Para dar conta do quarto desafio, portanto, a esquerda político-social não pode ir muito rápido, nem pode ir muito devagar. Para isto, precisa considerar adequadamente a correlação de forças, através da análise concreta da situação concreta. E precisa retomar o debate estratégico aberto pela experiência da Unidade Popular chilena.
O quinto desafio da esquerda político-social de ALC é acelerar o processo de integração, fundamental para aproveitar o potencial da região e também para reduzir a ingerência imperialista. Um sexto desafio é tornar hegemônica, na região, uma cultura popular latinoamericana e caribenha. Pois a verdade é que o
american way of life segue culturalmente hegemônico, mesmo que os EUA estejam fortemente questionados do ponto de vista político.
O sétimo desafio diz respeito a ampliar a capacidade teórica e política das esquerdas latinoamericanas e caribenhas. Com destaque para a necessidade de ampliar a coordenação entre governos, partidos e movimentos sociais. Sem o que será cada vez mais difícil, seja enfrentar a direita no plano nacional, seja enfrentar os desafios da integração continental e da instabilidade mundial.
A reflexão teórica precisa enfrentar e superar três fatores negativos, que geram deformações sistêmicas na visão de mundo e nas formulações das diferentes famílias da esquerda na ALC:
1) a crise das alternativas nacionalistas, desenvolvimentistas, social-democratas e socialistas, combinada com a influência do neoliberalismo;
2) a importância assumida pelos processos eleitorais e pela participação na institucionalidade estatal;
3) a necessária construção de frentes poli-classistas, num contexto de enfraquecimento da classe trabalhadora, enquanto classe em si e para si.
Estes fatores negativos agiram de maneira distinta sobre cada família da esquerda, e sobre cada organização em particular. Podemos identificar, entretanto, três tendências que se fizeram presentes em todas as famílias e partidos: o centrismo, o utopismo e o movimentismo.
Na conjuntura dos anos 1990, fazer concessões (políticas e programáticas)
era inevitável, salvo para o esquerdismo fanático. Portanto, quando falamos (e criticamos) o centrismo, estamos nos referindo a organizações que fizeram concessões mais profundas, mudando de objetivos programáticos, de base social ou simplesmente adotando postura estrategicamente subalterna aos interesses de
setores da burguesia. Postura que foi predominante entre os que adotaram estratégias ditas de centro-esquerda.
Em qualquer conjuntura, uma organização de esquerda necessita de alguma dose de voluntarismo romântico (ou utopismo, no sentido corrente da palavra), que fortaleça as convicções científicas e racionais, ao mesmo tempo que ajuda a recordar os objetivos de longo prazo. Portanto, quando falamos (e criticamos) o utopismo, estamos nos referindo a organizações que, no plano tático, adotam
uma postura de sistemática minimização da força de nossos inimigos; e que, no plano estratégico, adotam paradigmas pré-capitalistas.
Esta segunda característica é muito presente na esquerda boliviana
e equatoriana, mas não apenas.
Um partido de esquerda que troca bases sociais organizadas, por bases eleitorais, está condenado à derrota ideológica, política e inclusive eleitoral. Motivo pelo qual a esquerda precisa, obrigatoriamente, tanto apoiar quanto fomentar a mobilização e organização de suas bases sociais. Portanto, quando falamos (e criticamos) o movimentismo, estamos nos referindo a uma concepção cripto-anarquista que subestima a importância da luta eleitoral e da participação em governos, neste período histórico; que mistifica e mitifica os chamados movimentos sociais; e que tende a converter, no plano das idéias, os movimentos sociais em vanguarda da luta contra o capitalismo.
Como resultado de tudo o que apontamos antes, a esquerda da ALC enfrenta, atualmente, grandes dificuldades para cumprir as duas tarefas básicas para quem deseja alterar o status quo: oferecer um mapa do caminho e coordenar o conjunto das frentes de atuação.
Especificamente no caso dos partidos de governo, é preciso também levar em conta que ganhar eleições e administrar países profundamente desiguais, com populações fortemente influenciadas pela mídia de massas, exige mobilizar o apoio de camadas populares mais propensas a seguir lideranças carismáticas, na contramão das indispensáveis direções coletivas.
Exige, também, grande quantidade de recursos financeiros, indispensáveis
em processos eleitorais em que o debate programático é fortemente tensionado pelo “comércio de voto”. O que gera um relacionamento com o Estado e com os setores empresariais que pode autonomizar, mesmo que parcialmente, estes partidos de suas bases sociais originais.
Esta radicalização é, em parte, uma reação contra as brutais desigualdades estruturais; por outra parte, constitui uma resposta à radicalidade da oposição de direita, com suas campanhas de desqualificação, desestabilização e golpes.
Entretanto, a radicalidade política não implica que, nesses países, as condições macro e microeconômicas sejam as mais favoráveis à construção de um modelo econômico pós-neoliberal, nem muito menos de um modelo pós-capitalista.
A contradição entre as condições subjetivas e objetivas está na base do crescente conflito entre uma parte da base social original destes governos, com algumas das políticas desenvolvimentistas que estes mesmos governos são obrigados a executar. Dizemos obrigados, porque trata-se de responder tanto às demandas sociais acumuladas, quanto corresponder às necessidades futuras de médio e longo prazo.
Como o desenvolvimentismo realmente existente é de natureza capitalista, isso gera reações centristas (alianças estratégicas com o capital), movimentistas (reações setoriais contra determinadas políticas) e utopistas (rechaço esquerdista ao desenvolvimento diferentes famílias da esquerda). Tais divisões na base política e social dos governos, num cenário de dificuldades causadas pela crise internacional, podem gerar um cenário eleitoral favorável à oposição de direita.
Noutros países do continente, onde havia uma economia industrial diversificada, a resistência político-social conseguiu impor mais limites ao neoliberalismo, o Estado e o espectro político foram mais preservados.
Nestes países, os partidos anti-neoliberais que vencem as eleições têm muitos anos de vida, como é o caso do Partido dos Trabalhadores do Brasil (1980) e da Frente Amplio de Uruguai (1971).
Por motivos similares, a direita que perde as eleições segue muito poderosa e influente, bloqueando processos constitucionais e reformas estruturais.
Não admira que, nesses países, o pragmatismo centrista seja forte, enquanto o utopismo e o movimentismo são relativamente marginais.
Paradoxalmente, na contramão desta relativa moderação política dos processos, nesses países as condições macro e microeconômicas são (ao menos potencialmente) mais favoráveis à construção de um modelo econômico pós-neoliberal; e mesmo à construção do socialismo.
Mesmo considerando o esquematismo da descrição, a contradição que apontamos, entre condições subjetivas e objetivas, só encontra solução teórica e prática nos marcos de uma estratégia continental.
É por isto que o tema da integração é o principal divisor de águas no debate político da esquerda na ALC. A integração não garante um futuro socialista para cada um dos países de América Latina e Caribe. E nem toda integração é compatível com uma estratégia socialista. Mas na atual situação internacional,
para a maioria dos países de ALC, só a integração torna o socialismo (ou mesmo um desenvolvimento capitalista progressistaprogressista) uma alternativa realista.
Por isto, se quiser ampliar sua força sem perder o rumo, a esquerda latinoamericana e caribenha terá que dar mais atenção para o debate sobre o capitalismo do século XXI, para o balanço do socialismo do século XX, para a discussão estratégica. Que inclui equacionar a relação entre linha política, base social, partido, governo e Estado. E inclui, também, equacionar a relação entre transformação nacional e integração regional.
*Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT e secretário executivo do Foro de São Paulo

sexta-feira, julho 29, 2011

Abuso Sexual não é Piada!!! Zorra Total-Globo.

Abuso sexual não tem graça



SECRETARIA NACIONAL DE MULHERES DO PSTU


• Talvez você não perceba. Talvez até ache graça. Mas a violência contra as mulheres está sendo incentivada dentro da sua casa, de forma nada sutil, no humorístico Zorra Total. No principal quadro do programa, chamado “Metrô Zorra Brasil”, todos os sábados à noite, duas amigas travam um diálogo dentro do vagão lotado. Na fórmula do roteiro, lá pelas tantas, em todos os episódios, um sujeito se aproxima, encosta e bolina a mulher de várias formas. No episódio do dia 9 de julho, o quadro mostrou a mulher sendo “tocada” em suas partes íntimas com a “batuta” de um maestro.

A mulher atacada, Janete (Thalita Carauta), cochicha com sua amiga Valéria (Rodrigo Sant’anna), que, ao invés de defendê-la, diz: “aproveita. Tu é muito ruim, babuína. Se joga”. A claque ri.

O ataque relatado pelo programa acontece todos os dias com milhares de mulheres no nosso país. Só nós mulheres podemos medir a humilhação pela qual passamos nos trens e ônibus lotados e suas consequências. Não tem graça.

No metrô de São Paulo, o mais lotado do mundo, numa manhã de abril, uma jovem trabalhadora foi violentada sexualmente num vagão da linha verde, considerada uma das melhores. Um crápula a segurou pelo braço, ameaçou, enfiou a mão sob sua saia, rasgou sua calcinha e a tocou. Os passageiros perceberam, tentaram agir, mas o homem fugiu. O caso foi registrado como estupro na 78º DP da capital paulista. Impossível rir disso.

É sabido que a Rede Globo nunca foi uma defensora das mulheres e da diversidade. Neste momento mesmo, o diretor-geral da emissora exigiu que os autores da novela Insensato Coração acabassem com comentários favoráveis às bandeiras gays, e recomendou menos ousadia nas cenas entre os dois personagens homossexuais.

Mas o Zorra Total foi longe demais. O quadro do programa incentiva a violência contra às mulheres e o estupro, de uma forma sistemática, já que o ataque é parte da estrutura permanente do texto. Ou seja, todas as semanas, a Rede Globo diz que as mulheres que sofrem abuso sexual devem “aproveitar” e “agradecer”, como se fosse uma dádiva.

Repete a lógica do humorista Rafinha Bastos que, pelo Twitter, escreveu que as feias deveriam agradecer ao serem estupradas. E está sendo processado por isso.

O quadro tem alcançado liderança de audiência nas noites de sábado, atingindo cerca de 25 pontos de audiência. Ou seja, milhões de lares recebem toda semana a mensagem de que é natural abusar sexualmente de mulheres no metrô, nos trens, nos ônibus. Não é preciso muito para saber que o quadro certamente terá efeitos sobre esse público, naturalizando a violência contra a mulher, diminuindo a gravidade de um crime, tornando-o algo menor, sem importância.

Essa brincadeira não tem graça. É no mínimo lamentável que o talento da dupla de humoristas esteja sendo desperdiçado em um quadro que incentiva o ataque às mulheres trabalhadoras. É revoltante que a emissora líder mantenha um programa que defende práticas tão nefastas, num país onde uma mulher é violentada a cada 12 segundos; onde uma mulher é assassinada a cada duas horas; onde 43% das mulheres sofrem violência doméstica.

terça-feira, julho 12, 2011

Política Nacional de Humanização do SUS

É compatível a PNH (Política Nacional de Humanização) e a humanização do SUS, considerando seus problemas atuais?

            O SUS é fruto do movimento da Reforma Sanitária, visando a atenção integral, a participação da comunidade na gestão e controle social. E na 8° Conferência Nacional de Saúde que assegura a saúde como direito de todos e dever do Estado, visando romper a centralização, a visão medica curativa higienista e dando lugar a concepção medica preventiva, e analisando a saúde dentro de um processo, de uma totalidade, como ser biopsicossocial, histórico e cultural.
É na 9° CNS (Conferência Nacional de Saúde) que inicia-se a discussão da humanização da saúde, em 2003 o Ministério da Saúde define como uma das suas prioridades a humanização do SUS, o princípio de humanização do SUS enfatiza a necessidade de assegurar a atenção integral a sociedade e estratégia de ampliação os direitos e cidadania das pessoas e em 2004 foi instituída a PNH, visando a efetivação dos princípios do SUS, com o desafio de criar uma nova cultura de atendimento.
Os princípios são baseados na transversalidade, Indissociabilidade entre atenção e gestão, protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos. Para a efetivação foi instituído valores norteadores como: valorização da dimensão subjetiva, coletiva e social na garantia dos direitos dos cidadãos; trabalho em equipe multiprofissional; construção de redes cooperativas; fortalecimento do controle social; valorização da ambiência de trabalho (BRASIL, 2006a apud Silva & Arizono 2008).
A Política de humanização também elegem diretrizes, dispositivos e estratégias para a sua implementação. A Política Nacional de Humanização atua a partir de orientações clínicas, éticas e políticas, que se traduzem em determinados arranjos de trabalho. Como o Acolhimento, Gestão Participativa e cogestão, Ambiência, Clínica ampliada e compartilhada, Valorização do Trabalhador e Defesa dos Direitos dos Usuários.

O Acolhimento deve comparecer e sustentar a relação entre equipes/serviços e usuários/populações.  É construído de forma coletiva e tem como objetivo a construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços,  trabalhador/equipes e usuário com sua rede sócio-afetiva. Deve ser feito através de uma escuta qualificada oferecida pelos trabalhadores às necessidades do usuário, ouvir o usuário a com atenção. Podem ser usados vários mecanismos como a sala de espera, por exemplo.
            A Gestão Participativa e a cogestão, expressam a inclusão de novos sujeitos nos processos de análise e decisão quanto a ampliação das tarefas da gestão - que se transforma também em lugar de formulação e de pactuação de tarefas e de aprendizado coletivo. A organização e experimentação de rodas, para colocar as diferenças em contato para produzir mudanças nas práticas de gestão e de atenção. A PNH destaca dois grupos de dispositivos de cogestão: aqueles que dizem respeito à organização de um espaço coletivo de gestão que permita o acordo entre necessidades e interesses de usuários, trabalhadores e gestores; e aqueles que se referem aos mecanismos que garantem a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano das unidades de saúde.  
A ambiência visa a criação espaços saudáveis, acolhedores e confortáveis, que respeitem a privacidade, propiciem mudanças no processo de trabalho e sejam lugares de encontro entre as pessoas. Tornando o ambiente o mais agradável possível.
            A Clínica ampliada e compartilhada tem como objetivo contribuir para uma abordagem clínica que considere a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença. Permite o enfrentamento da fragmentação do conhecimento e das ações de saúde, utilizando da intersetorialidade. De modo a possibilitar decisões compartilhadas e compromissadas com a autonomia, emancipação e a saúde dos usuários do SUS.
            A Valorização do Trabalhador dá visibilidade à experiência dos trabalhadores e incluí-los na tomada de decisão, apostando na sua capacidade de refletir, definir e qualificar os processos de trabalho. Tornando possível o diálogo, intervenção e análise do que gera sofrimento e adoecimento, do que fortalece o grupo de trabalhadores e do que propicia os acordos de como agir no serviço de saúde. É importante também assegurar a participação dos trabalhadores nos espaços coletivos de gestão.
A Defesa dos Direitos dos Usuários de saúde, já que estes possuem direitos garantidos por lei e os serviços de saúde devem incentivar o conhecimento desses direitos e assegurar que eles sejam cumpridos em todas as fases do cuidado, desde a recepção até a alta. Todo cidadão tem direito a uma equipe que cuide dele, de ser informado sobre sua saúde e também de decidir sobre compartilhar ou não sua dor e alegria com sua rede social.
O trabalho do Assistente Social nesse processo de humanização do SUS é fundante no projeto ético-político do Serviço Social brasileiro, principalmente em sua experiência com a interdisciplinaridade e com a abordagem sócio-educativa. O horizonte da profissão gira em torno da viabilização dos direitos humanos, expressos principalmente nas políticas sociais.
Em sua formação, o assistente social é preparado para a humanização das relações sociais, a escuta e o diálogo, o reconhecimento dos direitos da cidadania, em perceber o outro, ouvir o não dito. Este encontra-se capacitado para a identificação dos determinantes e vulnerabilidades sociais de maneira crítica e qualificada, para que a pessoa seja vistas na sua integralidade e totalidade, analisando  multidimensionalidade do humano.
O Serviço Social tem muito a contribuir na criação de condições para a releitura e análise crítica dos envolvidos com a saúde, proporcionando uma revisão do papel dos atores sociais como um todo. Intensificando o compromisso e a participação com a saúde, com atividades com os usuários, os trabalhadores e os gestores. Atuando principalmente na mobilização dos sujeitos essenciais pra a humanização da saúde, propiciando condições pra que a população supere uma perspectiva ingênua e mistificada e passe a refletir sobre a realidade de forma crítica e argumentada.
A humanização da saúde é uma discussão recente, difícil de ser implementada numa realidade tão adversa, complexa e contraditória, onde a anos as relações são burocráticas, impessoais, hierárquicas clientelistas e autoritárias. A humanização trás princípios que são antagônicos ao da atual sociedade capitalista, onde os valores são o lucro, e a coisificação da pessoa humana. Então seu processo de implementação será muito mais árduo.
Nessa sociedade mistificou-se o discurso político, tanto em relação ao direito, como o papel do ser humano como protagonista. Soma-se a isso uma forte ofensiva do ideário neoliberal e péssimas condições de trabalho, a centralização na figura médica, a falta de financiamento, uma péssima formação nas universidades, sucateamento das políticas e serviços sociais, sem equipamentos e a população não se sentindo participante do controle de seus direitos, tornando a efetivação da política ainda mais árdua.
É necessário investir mais em grupos de discussão, no fortalecimento do controle social, dos conselhos e conferências, fazer com que a população participe ativamente das tomadas de decisões; investir na gestão do trabalho, ou seja, cuidar dos profissionais que cuidam, pois ganham péssimas remunerações e trabalham cada vez mais; impulsionar o matriciamento, em grupos de apoio. É preciso um pacto político para dar sustentabilidade ao SUS, é preciso que toda a sociedade discuta a saúde como direito de todos e dever do Estado.
Essa mudança de relações no SUS deve ultrapassar as paredes dos hospitais e clínicas, o debate sobre humanização tem que partir de toda a sociedade brasileira, principalmente dos movimentos sociais e trabalhadores. Devemos resgatar uma formação profissional na atuação em saúde que contemple a saúde humana em sua complexidade, que veja o processo saúde-doença em sua totalidade, com caráter biopsicossocial e histórico. Devemos investir numa cultura que defenda a vida, que desalienem e possibilite um trabalho prazeroso e criativo, que problematize a realidade e intervenha de maneira crítica, técnica e qualificada na sua transformação.
É preciso entender que o processo de humanização vai muito além da PNH, e que se hoje há grandes desafios, é mais um motivo para defendermos e lutarmos pela sua efetivação. Entendo que a humanização da saúde é um processo longo, dinâmico, árduo, cheio de desafios e dilemas. É algo novo pra a sociedade brasileira, é transformação, e isso sempre é mais difícil de ser efetivado, por se ter medo do novo. É através do tempo que as pessoas vão se sentirem seguras, para que as dificuldades possam ser superadas, para que os sujeitos possam olhar a realidade de forma diferente, refletindo sobre suas ações de modo que possa contribuir para a transformação da sociedade de forma positiva, na revisão de valores, conceitos e condutas, para que a utopia seja alcançada e a humanização se torne realidade.




REFERÊNCIAS:
• SILVA, Regina Célia Pinheiro da. & ARIZONO, Adriana Davoli. A política nacional de humanização do SUS e o Serviço Social. In: Revista ciências humanas – Universidade de Taubaté (UNITAU). Brasil, vol. 1. N. 2, 2008.

• < http://portal.saude.gov.br/ > Acessado em 02 de julho de 2011.


Shellen e Aline

domingo, julho 10, 2011

Vendi e Estou vendo


Eu vendo minha força de trabalho
O meu suor, o meu cansaço
 E tudo que resta de mim

Eu vendo o meu corpo, a minha mente
A minha alma descontente
Por que me fizeram assim

Eu já nasci dessa maneira preparado
Com os meus pais me educando para ser trabalhador
E na minha vida todo meu aprendizado
Foi tudo direcionado pra ser hoje quem não sou

Ai me desculpe meus pais
Possa ser que já fui
Pode ser que ainda sou
Mas não quero ser mais

Ai me desculpe meus pais
Hoje trabalhador
Operário eu sou
Vivo a vida sem paz


E desse jeito eu segui por muito tempo
Fui chorando e fui sofrendo
Pra ser um merecedor
Merecedor de um salário miserável
De uma vida incontestável
Nas mãos de um explorador

O meu produto vejo diante da minha frente
Pensando infelizmente
Eu não posso nem comprar

Digo meu Deus: como sou tão inteligente
Isso foi fruto da minha mente
E ainda posso melhorar

Ai me desculpe meus pais
Possa ser que já fui
Pode ser que ainda sou
Mas não quero ser mais

Ai me desculpe meus pais
Hoje trabalhador
Operário eu sou
Vivo a vida sem paz

E desse pouco tempo ainda que me resta
Largo tudo e saio desta
Vou pra festa festejar

E o trabalho que sugou toda minha vida
É o ponto de partida
Do que vou abandonar

Agora vivo meu momento eternamente
Como se fosse pra sempre
Sem esperar acabar

E a lembrança do trabalho que fiquei
Foi o dia em que deixei
Para nunca mais voltar

Ai me desculpe meus pais
Possa ser que já fui
Pode ser que ainda sou
Mas não quero ser mais

Ai me desculpe meus pais
Sem trabalho eu estou
E não sinto mais dor
Pra viver minha vida em paz!

 Livio Brandão

Revoluções no oriente

Revoluções no oriente
A questão central em todo o Oriente Médio (OM) não é e nunca foi religiosa. Os conflitos são essencialmente políticos. São disputas territoriais, coloniais, por recursos energéticos e hídricos

por Lejeune Mirhan*

Os árabes são uma civilização com milhares de anos de existência. Vivem na Península Arábica e na região da Palestina e Babilônia e seu legado é imenso. Pelo menos desde o ano de 630 da nossa era, os árabes construíram um império, decorrente da força da religião que Mohamed – ou Maomé, como é conhecido no Ocidente – fundou, que é o islã.

Os árabes em todo o mundo se encontram espalhados por 21 países, mais a Palestina (ocupada por Israel) e a República Sarauí (ocupada pelo Marrocos). A Liga dos Estados Árabes, fundada em 1945 no Cairo, aceita a Palestina como membro, sendo integrada assim por 22 Estados-membros. São oito monarquias absolutistas (ou petromonarquias, ou “monarquias americanas”, ou apoiadas pelos EUA) e 13 “repúblicas” (de fachada, pois na prática são ditaduras).

As potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial em 1918, a Inglaterra e a França, colonizaram praticamente todos os países da região do Oriente Médio (OM) e do Norte da África (conhecido como Magrebe). Interessante observar como as fronteiras entre esses países são retas, como se fossem divididas por riscos feitos com lápis num mapa da região. As “independências”, por assim dizer, iniciaram-se em 1922 (no caso do Egito) e foram concluídas em 1977 (com o Djibuti*).

Djibuti » O pequeno país, localizado no nordeste da África, sobrevive da crise no Oriente Médio à medida que lucra com a ocupação local por equipes humanitárias e bases militares. Mas sua renda per capita é inferior a US $ 1.000 anuais
Os árabes somam 347 milhões de pessoas em todo o mundo ou 5,18% da população mundial. A soma de todos os PIBs de seus países chega a US$ 2,477 trilhões, ou apenas 4% de todo o PIB mundial. No entanto, com relação às reservas de petróleo, os países árabes detêm 685,11 bilhões de barris, ou exatos 50,81% das reservas mundiais (veja quadro Dados Econômicos e Populacionais dos Países Árabes).Por fim, com relação à produção diária de óleo, esses países produzem todos os dias 22,967 milhões de barris, o que significa 27,26% da produção total no mundo, que é de 84,24 milhões de barris/dia (b/d) . Esses dados são aqui apresentados porque o conflito existente no OM guarda uma relação direta com a estratégia de controle dessa fonte de energia (que não é renovável). Sabe-se que não há como o mundo substituir a sua dependência do petróleo e gás natural pelos próximos 30 ou mesmo 50 anos.

Os Estados Unidos consomem todos os dias 19,497 milhões de barris, mas produzem apenas 7,27 milhões de barris, ou 37,42%. Dessa forma, precisam importar todos os dias 12,22 milhões de barris, que vêm em boa parte de países árabes.

A soma de todos os PIBs dos países árabes chega a US $ 2,477 trilhões, ou apenas 4% de todo o PIB mundial. Já as reservas de petróleo somam 50,8% do total mundial do recurso

Os maiores países ocidentais não são produtores de petróleo. Os casos mais marcantes são o do Japão, que precisa todos os dias de 5,57 milhões de barris, a Alemanha necessita de 2,677 milhões de b/d, a Coreia (do Sul) 2,061 milhões de b/d, a França 2,06 milhões de b/d, a Itália 1,874 milhão de b/d e a Espanha, de 1,537 milhão de b/d (veja Quadro Países Não Produtores de Petróleo).

Os maiores exportadores de petróleo do mundo, com valores em milhões de barris por dia (b/d), pela ordem, são: Arábia Saudita (8,651), seguida por Rússia (6,65), Noruega (2,542), Irã (2,519), Emirados Árabes (2,515), Venezuela (2,203), Kuwait (2,146), Argélia (1,847), Líbia (1,525) e Iraque (com 1,438) (veja Quadro Países Exportadores de Petróleo). Por esses dados, vê-se que os países árabes exportam todos os dias 18,122 milhões de barris. Se agregarmos o Irã, país persa com linha política anti-imperialista, esse número eleva-se para 20,641 milhões de b/d. Daí a estratégia imperialista de controle da região.

As maiores empresas petrolíferas privadas são ExxonMobil (EUA), ChevronTexaco (EUA), Shell (Holanda), British Petroleum (Inglaterra), Total (França) e ConnocoPhilips (EUA). Todas elas, juntas, empregam 514 mil trabalhadores e faturam por ano US$ 1,697 trilhão. No entanto, respondem por apenas 10% de toda a reserva de petróleo do mundo (veja quadro Seis Irmãs das Indústrias de Petróleo).

Por fim, é relevante destacar a questão do islã. Hoje existem no mundo 1,6 bilhão de muçulmanos praticantes (dos quais 1,4 bilhão é sunita e apenas 200 milhões são xiitas). Não devemos confundir “muçulmanos” com árabes. Nem todo muçulmano é árabe e nem todo árabe é muçulmano. Apenas 8% dos árabes não são muçulmanos (27,76 milhões; geralmente cristãos cooptas ou ortodoxos; católicos são residuais). Em termos mundiais, apenas 19,95% dos muçulmanos no mundo todo são árabes (um em cada cinco).
Panorama da Revolução Árabe
1. Obama perde nesse processo. Seu discurso no Cairo em julho de 2009, estendendo a mão aos muçulmanos, provou-se uma farsa. Não deu passo algum para respeitar os muçulmanos e os árabes em geral. Insiste em classificar partidos políticos como o Hamas e o Hezbolláh como “terroristas”, e não são. Vai se antagonizando com mais de 1,6 bilhão de muçulmanos de todo o mundo.
2. Os novos governos árabes não serão tão subservientes com os norte-americanos. O que tanto os Estados Unidos sempre tiveram pavor poderá acontecer, que é a participação, com destaque, da Irmandade Muçulmana nos governos árabes. Os países tendem a se afastar da órbita da Otan, da União Europeia e mesmo dos Estados Unidos.
3. Israel poderá sair derrotado. Perdeu seu discurso de que o maior inimigo é o Irã, que este precisaria ser derrotado e bombardeado e que seu programa nuclear visa à construção da bomba atômica. Terá de voltar à discussão do Estado Palestino.
4. Um novo Oriente Médio será construído . Deverá crescer a democracia, os partidos terão maiores liberdades, bem como a imprensa. Eleições gerais devem ocorrer em curto prazo no Egito e na Tunísia. O OM nunca mais será o mesmo depois desse imenso tremor político ocorrido.
5. O islã não é a solução. Dificilmente veremos um Egito, uma Tunísia ou qualquer outro país árabe como repúblicas islâmicas. Os países seguirão sendo laicos em toda a região, tal qual o Iraque e a Síria sempre foram.
6. O Irã se fortalece no OM. Por razões diversas, mas em especial por sempre ter apoiado a causa palestina e todos os movimentos revolucionários antiamericanos na região. Ainda pelo fato de que vem enfrentando, quase que sozinho, o império norte-americano na sua defesa pela soberania, independência nacional e pela condução de seu programa nuclear para fins pacíficos.
7. Crescerá o nacionalismo árabe. Fundado por Gamal Abdel Nasser, poderá ganhar papel preponderante. Esse nacionalismo defende a soberania e a independência dos países árabes, respeito aos direitos de seu povo e solidariedade ao povo palestino. A esquerda poderá crescer.
8. Modelo neoliberal em xeque. Difícil que os rumos da revolução árabe substituam o modelo capitalista pelo socialismo. No entanto, encontra-se em xeque o modelo de capitalismo financeiro denominado neoliberal.
9. Mitos e “teorias” que caíram por terra. Pelo menos dois. Que as redes sociais da internet e os celulares foram os responsáveis pela revolução árabe. Apenas 20% da população egípcia tem acesso à internet (em outros países, ainda menos) e apenas um terço possui celulares. Que não houve líderes e o processo foi espontâneo. Lideranças ficarem ocultas ou não serem famosas não significa ausências de líderes. Quanto às “teorias”, pelo menos duas esfumaçaram-se: a de Francis Fukuyama (O Fim da história) e a de Samuel Huntington (Choque de civilizações). A de Fukuyama já estava desmoralizada há uma década. Agora se enterra de vez a de Huntington.
10. Crise e declínio do s Estados Unidos. Os EUA sofrem maior aprofundamento e desestabilização em seu processo de declínio de sua posição hegemônica no sistema de relações internacionais com a presente Revolução Árabe, que tem sentido democrático, popular e anti-imperialista.
http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279089.jpg

De uma coisa temos certeza: a democracia se constrói pela soberania de um povo. Os EUA passaram anos afirmando que levariam a “democracia” para o OM . “Durante nove anos os EUA forçaram uma porta, que só se abre para fora. E mais. Essa porta só se abre por vontade própria. Os acontecimentos das últimas semanas demonstraram com clareza que não apenas partes importantes do OM estão prontas para a mudança, mas também esse impulso vem de dentro”, afirmou o professor de Relações Internacionais da Universidade de Boston Andrew Bacevich. Cem por cento de acordo.

A história recente dos levantes
Certa vez, perguntaram para Chu En Lai, um dos líderes da Revolução Chinesa de 1949, o que ele achava da Revolução Francesa de 1789. Tal pergunta foi feita no início dos anos 1970. A sua resposta, como bom chinês, foi: “ainda é cedo para dizer”1. Danton, líder dessa revolução, dizia: “precisamos de audácia, mais audácia e sempre audácia”. É verdade. Ele foi guilhotinado e quem o guilhotinou também morreu dessa forma. São as idas e vindas de uma revolução. Depois disso veio Napoleão (1800), a Restauração (1814), a Revolução de 1848 (que incendiou parte da Europa), a Comuna de Paris (em 1871). Por isso é muito prematuro formar uma opinião mais completa do processo revolucionário em curso no mundo árabe.

Cabe aqui, no entanto, um pequeno histórico do processo. Os levantes populares em curso no OM tiveram seu início, de forma inesperada, com o caso do jovem de 26 anos Mohamed Bouazizi, um vendedor de frutas ambulante com formação universitária. Inconformado com o fato de a polícia corrupta ter-lhe tomado seu carrinho, que era seu ganha-pão, por ele não aceitar pagar propinas, decidiu atear fogo ao seu corpo em frente ao palácio presidencial onde governava, desde 1988, o ditador Zine Abdine Ben Ali. Isso ocorreu em 15 de dezembro de 2010. A partir desse momento, até a queda do regime em 16 de janeiro, transcorreram 32 dias de grandes manifestações.

A polícia atacou com fúria a multidão diariamente que, de peito aberto, a enfrentou. O ditador – chamado pela imprensa internacional durante todos esses anos de “presidente” por ser amigo de Washington – fugiu em debelada com sua família e, dizem, com mais de cem malas carregadas de ouro e dólares.

Sabe-se que não há como o mundo substituir a sua dependência do petróleo e gás natural pelos próximos 30 ou mesmo 50 anos. E os governos longevos e ditatoriais garantem a estratégia norteamericana de domínio do fluxo na região dos países árabes

Em todos os 22 países árabes temos a presença de governos longevos. Ou são monarquias absolutistas ou são ditaduras disfarçadas de democracias, onde a cada cinco ou seis anos, fazem-se “eleições” farsescas, fraudulentas para tentar legitimar ditadores amigos dos Estados Unidos. Desta forma, garantem ao império norte-americano a defesa de seus interesses nessa estratégica região, em especial a garantia do fluxo de petróleo para a América, a passagem dos seus navios petroleiros e cargueiros pelo Canal de Suez e pelo Estreito de Ormuz no Golfo.

Há também a questão estratégica da defesa incondicional por parte dos EUA, do Estado sionista de Israel. “No caso da política de Obama para o OM, são cegos guiando um cego e cegos aconselhando um cego no salão oval da Casa Branca”, afirmou em seu blog a escritora e jornalista inglesa Helena Cobban, em uma clara alusão a Bill Daley, Ben Rhodes, Tony Blinken, Denis McDorough, John Brennan e Robert Cardillo, assessores e conselheiros de diversas funções de Obama, todos, indistintamente, militantes fanáticos pró-Israel e a serviço do lobby judaico.
Acerta Ury Avnery, um dos maiores escritores e intelectuais israelenses, quando diz: “estamos passando por um evento geológico. Um terremoto de vastíssimas dimensões, que está mudando a paisagem no OM. Montanhas viram vales, ilhas emergem do mar e vulcões cobrem a terra de lava”.

Como diz o professor da Universidade Americana de Beirute, Ahmad Massouli*, Obama comete erros e mais erros na sua política externa para a região. Não consegue sequer barrar os assentamentos judaicos na Cisjordânia (os EUA vetaram em 18 de fevereiro o congelamento no CS/ONU) e vai se antagonizando com mais de 1,6 bilhão de muçulmanos de todo o mundo. Massouli arrisca dizer que vamos presenciar um novo mundo árabe, revolucionário e que não será mais submisso aos interesses norte-americanos. Os EUA só conseguirão criar boas relações com o mundo árabe quando a questão palestina estiver completamente resolvida.

Ahmad Shah Massoud » Ministro da Defesa do Afeganistão em 1992, firmou-se como líder militar na ascensão do regime Talibã. Representou a Frente da União Islâmica para a Salvação do Afeganistão, a Aliança do Norte, mas foi morto pela Al Qaeda em 2001.


http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279094.jpg

http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279095.jpg

Sem exceção, os governos árabes próamericanos têm como características: 1. Sempre combateram o comunismo desde a chamada Guerra Fria; 2. Desde 1979, combateram o Irã de Khomeini; 3. Tudo fazem para liquidar o islã político, a que chamam de “fundamentalista”; 4. Sempre adotaram posições contrárias aos movimentos sociais, em especial contra os sindicatos; 5. Atuaram sempre contra as resistências libanesa e palestina. Foi nesse caldeirão que a revolução árabe teve início.

Regra geral, as grandes reivindicações, praticamente unânimes em todos os países, são as seguintes: 1. Revogação do Estado de Emergência; 2. Libertação de todos os presos políticos; 3. Liberdade de organização partidária; 4. Liberdade sindical e de organização social; 5. Liberdade da imprensa e de expressão; 6. Eleições livres para presidente e para o Parlamento; 7. Convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Livre, Democrática e Soberana.

Não está claro se tais avanços serão possíveis, em especial na Tunísia e no Egito, que foram os primeiros países a derrubarem seus governantes. “Para impor mudança tão ampla, o movimento de massas egípcio teria de quebrar a espinha dorsal do regime, que é o seu exército”. Não se vê, no momento, condições para que isso ocorra. A tomada da “Bastilha” egípcia não aconteceu. “O espírito do governo de Hosni Mubarak, a essência de seu regime, seus métodos estão longe de terem acabado” .
http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279096.jpg
 
Os levantes populares em curso no OM tiveram seu início, de forma inesperada, com o caso do jovem de 26 anos Mohamed Bouazizi, que se imolou publicamente

Um dos maiores sociólogos da atualidade, Immanuel Wallerstein, conclui: “Os EUA, aflitos para ficarem ao lado dos vencedores, mas sem saber exatamente quais serão e sem querer perder o apoio dos ditadores e monarcas absolutos de que ainda julgam precisar, fazem do Irã e da Turquia os dois maiores ganhadores com o processo revolucionário que agita os países árabes”. Sendo assim, “é possível que estejamos testemunhando o nascimento de um novo tipo de política revolucionária que não é definido pelos protestos maciços das massas nas ruas, mas pela maneira como os participantes se reuniram”.

A questão central em todo o OM não é e nunca foi religiosa. Claro que o componente religioso pode existir, mas os conflitos são essencialmente políticos. São disputas territoriais, coloniais, por recursos energéticos e hídricos. Nesse sentido, Robert Fisk menciona: “se são revoltas seculares, por que só se falam das religiões?”. Até esse jornalista inglês fica espantado com isso. Não há dúvidas que isso faz parte de uma estratégia midiática para tentar mostrar o pano de fundo dos conflitos no OM como religioso, para enganar as massas e, mais do que isso, indispor bilhões de pessoas contra uma das maiores religiões, que é o islã.

Uma revolução em curso
 
A concepção de esquerda marxista ensina que o termo “revolução” está relacionado diretamente com a tomada revolucionária do poder, mudanças profundas na estrutura de direção do Estado de um determinado país e, fundamentalmente, de troca da classe social que manda no país. Ou seja, mudanças na superestrutura, na economia, na ideologia, nos costumes, etc.

Mas o que está ocorrendo mesmo no mundo árabe? Uma “revolta”? Uma “insurreição”? Uma “rebelião”? É fato que tudo isso está acontecendo por lá. Mas está, sim, em curso uma revolução nesse mundo. Que caráter terá essa revolução é que no momento não é possível prever. Será essa revolução meramente democrática e patriótica? Será uma revolução mais avançada, de caráter mais popular e progressista? Ou chegará a ser até socialista, alterando profundamente o modelo econômico dos países, que hoje são todos capitalistas de inspiração neoliberal?


Quando Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido como Lenin, líder da Revolução Bolchevique de outubro de 1917, tratou desse tema, dois anos antes desse histórico acontecimento, estabeleceu claramente as condições objetivas para que uma revolução pudesse ocorrer em um determinado país. E isso é uma das formulações do pensamento científico marxista, sobre as leis gerais das sociedades humanas. Essas condições objetivas ocorrem quando “os de cima já não conseguem mais governar como antes e os de baixo já não aceitam mais ser governados como antes”. Isso pode ser lido no texto Bancarrota da II Internacional, escrito entre maio e junho de 1915.
Ele diz que as condições objetivas são decorrentes de questões relacionadas com a materialidade da vida das pessoas. Isso poderia ser desemprego elevado, fome e miséria, ausências de liberdades, arrocho salarial, repressão política, etc. Tudo isso não determina, ainda assim, que as condições subjetivas para que uma revolução aconteça estejam dadas.
É preciso que ocorra uma combinação entre as condições objetivas e as subjetivas. Estas últimas guardam uma relação direta com a necessidade de uma liderança política revolucionária – aqui entra a necessidade de um partido de feições revolucionárias, detentor de uma teoria revolucionária que, além de dar uma direção correta para as amplas massas, contribua para elevar seu nível de consciência política.
É possível que estejamos testemunhando o nascimento de um novo tipo de política revolucionária. Processo está em curso, com caráter progressista, mas sem liderança
Se apenas as condições objetivas fossem suficientes para que uma revolução de caráter mais socialista ocorresse, a Índia, o Paquistão, o Afeganistão e tantos outros países extremamente pobres já seriam os mais socialistas do mundo. E não são. Faltam-lhes as condições subjetivas, um partido avançado com uma teoria revolucionária. Dessa forma, não há erro conceitual algum em que se use o termo Revolução Árabe. O seu caráter vai depender das lideranças que a conduzem – pulverizadas por vários países – e os compromissos e tarefas que ela possa vir a assumir.
Portanto, há sim um processo revolucionário em curso, com caráter anticolonial, democrático e progressista geral, mas que ainda tem a sua liderança em disputa. E essa disputa, diga-se de passagem, não é com ninguém menos que a maior potência política, militar e econômica do planeta, que são os Estados Unidos da América. Tal revolução ou revoluções – são vários países em processo avançado de mudanças – nada tem a ver com as que ocorreram no leste europeu, que tinham, a propósito, alguns nomes de cores (Laranja, de Veludo, Rosa e outras bobagens mais).




http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/35/imagens/i279100.jpg

 Lejeune Mirhan é sociólogo, professor, escritor e arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. 

sexta-feira, julho 08, 2011

Do nada recebo um scrap com a seguinte pergunta:


Oi Shellen
*o que  motiva seu pensamento critico 
* De que forma você acha que se pode mudar alguma coisa (exemplo protesto ? ) 
*  Qual seu pensamento sobre o pensamento da maioria das pessoas de hoje em dia
(exemplo , fútil, inteligente,ignorantes,vitimas de uma manipulação,  críticos  ? )

Ai decidi colocar minha resposta aqui...

O que motiva meu “pensamento crítico” é nada mais nada menos do que a realidade tão contraditória, tanta riqueza em contra partida tanta escassez. Resumindo né... o que move é a desigualdade, a falta de liberdade, falta de vida, essa opressão que nos é colocada diariamente. O que me move é a construção possível de uma sociedade mais justa, livre e igualitária, sem exploração e dominação. O que me motiva é a construção de um projeto societário que tenha o humano como valor central, e também a emancipação e autonomia deste.

As mudanças não são fáceis, por que as pessoas, principalmente hoje, são muito condicionadas, tem medo do novo, esquecem que nós mesmo fazemos a história, e com o jargão de que “sempre foi assim e sempre será” ou de que “não sei, só sei que foi assim”, naturalizando as relações sociais. Essa mudança para mim é um longo processo, não se dará de um dia para outro. Então eu já tenho em mente que, em analogia, estou só "quebrando pedras" outros irão plantar, e outros irão colher.
Acredito que essa mudança só será possível quando a maioria esmagadora que sofre essas desigualdades tomar consciência disso, e enxergar que ela pode mudar essa realidade, é o que nós costumamos chamar de Revolução. Um protesto, dependendo do mesmo, é algo muito pontual, e a revolução não só se dá no ativismo, é um processo ideológico também. A educação, por exemplo, é um meio para este fim.

Em relação a maioria... a maioria hoje passa por um processo de alienação muito forte, e eu e os outros também não estamos fora disso. Porém, eu já consegui me libertar um pouco do CONDICIONAMENTO que esta sociedade impõe. A maioria é sim vítima de manipulação. São condicionados por vários meios a acreditar que esta sociedade como esta posta é insuperável, e o jeito é se acomodar. E essa manipulação esta presente em tudo, nas relações familiares, na educação, na mídia, a ideologia dominante conservadora está presente em todos os âmbitos. Mas temos que entender isso, que todos somos seres humanos, e pensamos, mas esses pensamentos e opiniões são condicionadas e enculcados.

quinta-feira, julho 07, 2011

Reflexões sobre a esquerda na América Latina


Por Valter Pomar*
A crise internacional dos anos 1970, mais exatamente a atitude dos EUA para enfrentar esta crise, desencadeou no mundo e na região ALC um processo regressivo, caracterizado pelo colapso da social-democracia européia, dos nacionalismos africanos, dos desenvolvimentismos latinoamericanos e do socialismo de tipo soviético; e, ainda, marcado pela crise da dívida externa e pela ascensão do neoliberalismo.
Nas décadas de 1980 e 1990, o neoliberalismo tornou-se hegemônico na América Latina, acentuando a dependência, a desigualdade e o conservadorismo político característicos do período anterior.
Na América Latina, nos anos 1990, a defesa dos interesses nacionais, populares, democráticos e socialistas entrou numa etapa de defensiva estratégica. Noutras palavras: num contexto marcado pela crise do socialismo e pela ofensiva neoliberal, tratava-se de defender as conquistas obtidas no período anterior.
A partir da segunda metade dos anos 1990, esta situação de defensiva estratégica das forças populares coincidiu com um período de grande instabilidade internacional, decorrente da combinação entre dois fenômenos: a crise do capitalismo e o declínio da hegemonia dos EUA.
Temos, de um lado, uma crise de acumulação, que se manifesta direta ou indiretamente em todos os terrenos: financeiro, comercial, cambial, energético, alimentar, ambiental.
De outro lado, temos a reacomodação geopolítica, resultante: a) das dificuldades que os Estados Unidos enfrentam para manter sua hegemonia mundial; b) do aguçamento das contradições inter capitalistas, crescentes após a derrota do bloco soviético; c) do fortalecimento de potências concorrentes, especialmente a China.
Este período de grande instabilidade internacional, causado pela combinação entre os fenômenos geopolíticos e macroeconômicos acima citados, é e continuará sendo marcado por crises, guerras e revoltas sociais.
Não é possível saber quanto tempo durará este período de instabilidade internacional. Isto, bem como o mundo que emergirá depois, dependerá de como se articule a luta política, dentro de cada país, com a luta entre Estados e blocos regionais.
A luta entre Estados e blocos regionais é, hoje, polarizada de um lado pelos Estados Unidos e seus aliados europeus e japoneses; de outro lado, pelos BRICS e seus aliados.
Diferente do que ocorria antes de 1945, hoje temos uma disputa entre Estados da (quase) antiga periferia e Estados do (quase) antigo centro. E, diferente do que ocorria antes de 1990, hoje trata-se de uma disputa nos marcos do capitalismo.A América Latina é um dos cenários desta disputa entre os Estados Unidos e os BRICS. Do ponto de vista geopolítico, considerando o médio e longo prazo, há pelo menos três cenários possíveis. No primeiro deles, os Estados Unidos mantém sua condição de potência hegemônica mundial e regional. No segundo deles, os Estados Unidos perdem sua condição de hegemonia mundial, mas se mantém
como potência regional. No terceiro cenário, o mais favorável para ALC, os Estados Unidos deixam de ser potência hegemônica mundial e também deixam de ser potência hegemônica regional.
A disputa EUA/BRICS se dá nos marcos do capitalismo. Mas na ALC há uma variável excêntrica a ser levada em conta: como resultado de um processo iniciado em 1998, constituiu-se na região uma forte influência da esquerda.
Esta influência da esquerda torna factível que a ALC constitua-se, não um cenário passivo, mas um dos pólos do combate de natureza geopolítica que está em curso no mundo. Assim como torna factível fazer, da região, um dos espaços de reconstrução de uma alternativa socialista ao capitalismo.
Para transformar estas duas possibilidades em realidade, a esquerda de ALC terá que enfrentar vários desafios teóricos, estratégicos e táticos.
O primeiro destes desafios é derrotar o contra-ataque promovido pela direita latino-americana e seus aliados metropolitanos.
O segundo e o terceiro desafio da esquerda político-social de ALC consistem em: a) não perder os governos nacionais conquistados até agora; b) conquistar novos governos nacionais.
O quarto desafio da esquerda político-social é, nos países onde controla o governo nacional, impulsionar mudanças estruturais de natureza democrático-popular.
Se a esquerda no governo não for capaz de realizar ou ao menos dar passos no sentido destas reformas, ele não possui significado estratégico, por mais que no imediato contribua para melhorar a vida do povo. E a não realização de tais reformas pode decepcionar e dividir os apoiadores da esquerda, como em parte ocorreu no Chile, com a Concertación.
Mas para realizar reformas estruturais (ou pelo menos para acumular forças neste sentido), um governo de esquerda precisa de sustentação política, sem o que ele pode ser derrubado, como ocorreu com o governo de Honduras.
Para dar conta do quarto desafio, portanto, a esquerda político-social não pode ir muito rápido, nem pode ir muito devagar. Para isto, precisa considerar adequadamente a correlação de forças, através da análise concreta da situação concreta. E precisa retomar o debate estratégico aberto pela experiência da Unidade Popular chilena.
O quinto desafio da esquerda político-social de ALC é acelerar o processo de integração, fundamental para aproveitar o potencial da região e também para reduzir a ingerência imperialista. Um sexto desafio é tornar hegemônica, na região, uma cultura popular latinoamericana e caribenha. Pois a verdade é que o
american way of life segue culturalmente hegemônico, mesmo que os EUA estejam fortemente questionados do ponto de vista político.
O sétimo desafio diz respeito a ampliar a capacidade teórica e política das esquerdas latinoamericanas e caribenhas. Com destaque para a necessidade de ampliar a coordenação entre governos, partidos e movimentos sociais. Sem o que será cada vez mais difícil, seja enfrentar a direita no plano nacional, seja enfrentar os desafios da integração continental e da instabilidade mundial.
A reflexão teórica precisa enfrentar e superar três fatores negativos, que geram deformações sistêmicas na visão de mundo e nas formulações das diferentes famílias da esquerda na ALC:
1) a crise das alternativas nacionalistas, desenvolvimentistas, social-democratas e socialistas, combinada com a influência do neoliberalismo;
2) a importância assumida pelos processos eleitorais e pela participação na institucionalidade estatal;
3) a necessária construção de frentes poli-classistas, num contexto de enfraquecimento da classe trabalhadora, enquanto classe em si e para si.
Estes fatores negativos agiram de maneira distinta sobre cada família da esquerda, e sobre cada organização em particular. Podemos identificar, entretanto, três tendências que se fizeram presentes em todas as famílias e partidos: o centrismo, o utopismo e o movimentismo.
Na conjuntura dos anos 1990, fazer concessões (políticas e programáticas)
era inevitável, salvo para o esquerdismo fanático. Portanto, quando falamos (e criticamos) o centrismo, estamos nos referindo a organizações que fizeram concessões mais profundas, mudando de objetivos programáticos, de base social ou simplesmente adotando postura estrategicamente subalterna aos interesses de
setores da burguesia. Postura que foi predominante entre os que adotaram estratégias ditas de centro-esquerda.
Em qualquer conjuntura, uma organização de esquerda necessita de alguma dose de voluntarismo romântico (ou utopismo, no sentido corrente da palavra), que fortaleça as convicções científicas e racionais, ao mesmo tempo que ajuda a recordar os objetivos de longo prazo. Portanto, quando falamos (e criticamos) o utopismo, estamos nos referindo a organizações que, no plano tático, adotam
uma postura de sistemática minimização da força de nossos inimigos; e que, no plano estratégico, adotam paradigmas pré-capitalistas.
Esta segunda característica é muito presente na esquerda boliviana
e equatoriana, mas não apenas.
Um partido de esquerda que troca bases sociais organizadas, por bases eleitorais, está condenado à derrota ideológica, política e inclusive eleitoral. Motivo pelo qual a esquerda precisa, obrigatoriamente, tanto apoiar quanto fomentar a mobilização e organização de suas bases sociais. Portanto, quando falamos (e criticamos) o movimentismo, estamos nos referindo a uma concepção cripto-anarquista que subestima a importância da luta eleitoral e da participação em governos, neste período histórico; que mistifica e mitifica os chamados movimentos sociais; e que tende a converter, no plano das idéias, os movimentos sociais em vanguarda da luta contra o capitalismo.
Como resultado de tudo o que apontamos antes, a esquerda da ALC enfrenta, atualmente, grandes dificuldades para cumprir as duas tarefas básicas para quem deseja alterar o status quo: oferecer um mapa do caminho e coordenar o conjunto das frentes de atuação.
Especificamente no caso dos partidos de governo, é preciso também levar em conta que ganhar eleições e administrar países profundamente desiguais, com populações fortemente influenciadas pela mídia de massas, exige mobilizar o apoio de camadas populares mais propensas a seguir lideranças carismáticas, na contramão das indispensáveis direções coletivas.
Exige, também, grande quantidade de recursos financeiros, indispensáveis
em processos eleitorais em que o debate programático é fortemente tensionado pelo “comércio de voto”. O que gera um relacionamento com o Estado e com os setores empresariais que pode autonomizar, mesmo que parcialmente, estes partidos de suas bases sociais originais.
Esta radicalização é, em parte, uma reação contra as brutais desigualdades estruturais; por outra parte, constitui uma resposta à radicalidade da oposição de direita, com suas campanhas de desqualificação, desestabilização e golpes.
Entretanto, a radicalidade política não implica que, nesses países, as condições macro e microeconômicas sejam as mais favoráveis à construção de um modelo econômico pós-neoliberal, nem muito menos de um modelo pós-capitalista.
A contradição entre as condições subjetivas e objetivas está na base do crescente conflito entre uma parte da base social original destes governos, com algumas das políticas desenvolvimentistas que estes mesmos governos são obrigados a executar. Dizemos obrigados, porque trata-se de responder tanto às demandas sociais acumuladas, quanto corresponder às necessidades futuras de médio e longo prazo.
Como o desenvolvimentismo realmente existente é de natureza capitalista, isso gera reações centristas (alianças estratégicas com o capital), movimentistas (reações setoriais contra determinadas políticas) e utopistas (rechaço esquerdista ao desenvolvimento diferentes famílias da esquerda). Tais divisões na base política e social dos governos, num cenário de dificuldades causadas pela crise internacional, podem gerar um cenário eleitoral favorável à oposição de direita.
Noutros países do continente, onde havia uma economia industrial diversificada, a resistência político-social conseguiu impor mais limites ao neoliberalismo, o Estado e o espectro político foram mais preservados.
Nestes países, os partidos anti-neoliberais que vencem as eleições têm muitos anos de vida, como é o caso do Partido dos Trabalhadores do Brasil (1980) e da Frente Amplio de Uruguai (1971).
Por motivos similares, a direita que perde as eleições segue muito poderosa e influente, bloqueando processos constitucionais e reformas estruturais.
Não admira que, nesses países, o pragmatismo centrista seja forte, enquanto o utopismo e o movimentismo são relativamente marginais.
Paradoxalmente, na contramão desta relativa moderação política dos processos, nesses países as condições macro e microeconômicas são (ao menos potencialmente) mais favoráveis à construção de um modelo econômico pós-neoliberal; e mesmo à construção do socialismo.
Mesmo considerando o esquematismo da descrição, a contradição que apontamos, entre condições subjetivas e objetivas, só encontra solução teórica e prática nos marcos de uma estratégia continental.
É por isto que o tema da integração é o principal divisor de águas no debate político da esquerda na ALC. A integração não garante um futuro socialista para cada um dos países de América Latina e Caribe. E nem toda integração é compatível com uma estratégia socialista. Mas na atual situação internacional,
para a maioria dos países de ALC, só a integração torna o socialismo (ou mesmo um desenvolvimento capitalista progressistaprogressista) uma alternativa realista.
Por isto, se quiser ampliar sua força sem perder o rumo, a esquerda latinoamericana e caribenha terá que dar mais atenção para o debate sobre o capitalismo do século XXI, para o balanço do socialismo do século XX, para a discussão estratégica. Que inclui equacionar a relação entre linha política, base social, partido, governo e Estado. E inclui, também, equacionar a relação entre transformação nacional e integração regional.
*Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT e secretário executivo do Foro de São Paulo