terça-feira, maio 31, 2011

Especialista do tema aborda conflitos históricos e políticos do movimento estudantil brasileiro

ENTREVISTA - Especialista do tema aborda conflitos históricos e políticos do movimento estudantil brasileiro 


Eduardo Sales de Lima 

da Redação do BRASIL DE FATO

OCUPAÇÕES, GREVES, fragmentação política. Nos últimos anos, temas como esses pautaram os debates em torno do movimento estudantil brasileiro. Em entrevista, o sociólogo Carlos Menegozzo, do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, afirma que o movimento estudantil enfrenta "uma crise prolongada, pontuada por ações de protesto tão explosivas quanto efêmeras". 

Ele comenta as novas perspectivas de organização da União Nacional dos Estudantes (UNE) diante da criação do Programa Universidade para Todos (Prouni). A reforma universitária, segundo ele, é um dos principais elementos para que a mobilização dentro do movimento estudantil atinja um número maior de pessoas. 

Brasil de Fato - Atualmente, você acredita que ocorre um processo de reorganização política e ideológica do movimento estudantil? Sobretudo após as ocupações das reitorias em 2007? 

Carlos Menegozzo - Sou cético em relação ao que se tem chamado de "novo movimento estudantil". As ocupações de 2007 e 2008 reforçam uma tendência histórica do movimento nas últimas décadas, em que há uma crise prolongada, pontuada por ações de protesto tão explosivas quanto efêmeras. Esse processo se dá sobre uma base objetiva que remonta à reforma universitária de 1968, quando as instituições se fragmentaram, dividindo também o movimento. Cada universidade ou faculdade têm perfil e movimento próprios, enquanto, nos cursos, as turmas se diluem com o sistema de matrícula por créditos. Os movimentos explosivos e efêmeros emergem quando, apesar de uma crise prolongada e da dedicação militante, a diversidade de experiências estudantis fragmentadas se articula circunstancialmente em torno de uma pauta comum. Foi isso que ocorreu em 2007: o movimento se tornou coeso em torno das ocupações, tomadas como forma de protesto. O mesmo se deu no "Fora Collor" com a questão da "ética na política". Daí meu ceticismo em relação à ideia de um "novo movimento estudantil". 

O que muda na organização do movimento estudantil no Brasil a partir do acesso de um número maior de jovens no ensino superior, sobretudo nas universidades privadas? A tendência da UNE, hoje, é debater mais com esses estudantes? 

A ampliação do ensino superior não é uma novidade. Historicamente, me parece que está associada a um incremento da atividade política na universidade. Foi assim nas reformas de 1870 e 1940-1960, por exemplo. Mas há outros fatores que determinam o protesto estudantil e, por essa razão, uma coisa não leva à outra necessariamente. Esse é caso dos anos de 1980 e posteriores. Quanto às instituições particulares, também não são novidade. Não vejo sua ampliação como uma mudança substantiva em termos de impacto sobre o movimento: reforçam a tendência à fragmentação intensificada desde a reforma de 1968. De todo modo vale o registro de que, nas particulares, por sua natureza e composição social, fatores como a pressão do mercado são maiores, o que pode afetar o nível geral da mobilização. Quanto à UNE, penso que sua intervenção compreende e organiza melhor a experiência e as reivindicações desses setores. Coisa que a porção minoritária da diretoria da entidade, apesar da maior radicalidade de seu programa, não consegue, e deveria, fazer. 

O movimento estudantil já foi mais combativo ou isso é um mito levado a cabo pelos saudosistas? Hoje o estudante sobrepõe as questões práticas às ideológicas? 

O movimento já foi mais forte e politizado, e isto não é um mito. Obviamente há toda uma mitologia que se construiu em torno de episódios como o maio de 1968 e muitas vezes isso impede o movimento de perceber certos processos: quem acha que nas ações de 1968 todo mundo era socialista, por exemplo, não vai entender porque a participação diminuiu na universidade de lá para cá. Nesse contexto, a falta de participação acaba sendo explicada pela presença dos partidos ou pela "traição das direções". Insuficientes, tais leituras ignoram variáveis como a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, além das responsabilidades ou dependência do estudante em relação à família, que afetam a disponibilidade e a disposição para a militância. Paralelamente a isso, existem também formas de politização que o militante não compreende e, nesse caso, a aparente falta de interesse do estudante reflete também a incapacidade do movimento em falar a língua dele. 

A representatividade partidária dentro dos diretórios centrais de estudantes (DCEs) é legítima? Em que sentido ela pode atrapalhar a ação política dentro do espaço universitário? 

A presença é legítima porque a entidade é expressão de um conflito de ideias que ocorre na sua base política. E os partidos são uma forma de organizar coletivamente essas ideias tão legítima quanto os grupos não-partidários. Muitos acham que a culpa pela crise do movimento é dos partidos, mas essa leitura ignora o fato de que o movimento nunca foi tão forte e partidarizado quanto nos anos de 1960, nem tão fraco e despartidarizado quanto nos anos de 1980. Ou seja, a presença dos partidos não é necessariamente sinônimo de crise e desmobilização. Mas os partidos têm ajudado pouco: não têm cumprido a sua função, que é a de levar o movimento a se pensar no quadro geral - uma condição imprescindível para a superação de sua atual crise. Por essas razões, acho que falta ação partidária na universidade, apesar da presença dos partidos. Mais que legítimos, portanto, os partidos são imprescindíveis. 

O movimento estudantil está mais próximo dos movimentos sociais? 

Não me parece haver uma mudança substantiva nesse sentido em relação às últimas décadas. A relação existe, mas na falta de projeto global de sociedade - e aí o problema é dos partidos, como disse antes - essa relação se reduz a uma somatória de reivindicações corporativas, o que efetivamente não transforma a sociedade. O quadro hoje está mais para "cada um na sua, mas com alguma coisa em comum" do que para uma ofensiva contra-hegemônica. Não basta estar lado a lado, é preciso haver um acordo em relação a um eixo estratégico. Quanto mais próximo estiver esse eixo do "elo fraco da cadeia", então mais efetivo será o papel dos movimentos, inclusive do movimento estudantil, na luta geral. Mas, para isso, insisto, falta uma atuação partidária mais consistente. 

Por não haver um impulso à formação política, o movimento estudantil, hoje, é mais reagente que agente? Parece que os estudantes uspianos só aderiram à greve por causa da presença da PM na USP. 

Acho que há uma ligação entre esses dois elementos. Como disse anteriormente, a coesão circunstancial de experiências fragmentadas em torno de uma pauta comum é uma tendência do movimento estudantil nas últimas décadas. O movimento recente não escapa a essa dinâmica: nesse caso, foi a violência policial que detonou o mecanismo. Vejo a formação política como um dos fatores que podem ajudar a esquerda e o movimento a compreender historicamente essa dinâmica e a equacioná- la estrategicamente. Na falta de uma formulação estratégica, impossível sem formação política, a tendência é não pautarmos a conjuntura e a história, mas sermos pautados por elas. Por outro lado, é verdade que certas leituras que fazemos da história, a partir das quais construímos nossa própria identidade, tornam a experiência e o estudo bastante seletivos, impedindo que se abram à compreensão do real. Nesses casos, doutrinária, a formação não resolve, mas agrava o problema da "reatividade". 

Qual o maior desafio para que o movimento estudantil seja massivo e atinja um número maior de estudantes? 

Como num bolo, a forma é tão importante quanto a massa. Isso também vale para os movimentos: quer dizer, não basta a receita do protesto estar ali, pois sem expressão organizada não há movimento, mas ações espalhadas. Acho que nesse contexto a massificação se constrói em duas frentes. Primeiro, é preciso sensibilidade por parte do movimento para dialogar com as experiências e culturas estudantis que se multiplicam com a fragmentação da universidade, ampliando e dando o máximo de coesão ao movimento. Do contrário o movimento vira um gueto e é exatamente isso que tem acontecido nas últimas décadas. Segundo, é preciso superar a base objetiva, fragmentária, sobre a qual os movimentos existentes se dispersam. E, para isso, é preciso uma reforma universitária, que por sua vez depende não somente da luta estudantil, mas de uma mudança na correlação geral de forças. Insisto uma vez mais: faltam aos partidos capacidade de estabelecer uma estratégia que permita essa mudança. E é por essa razão que estou convicto de que a crise do movimento é, na verdade, uma crise da esquerda. 


Quem é: 
Carlos Henrique Metidieri Menegozzo, 28 anos, é sociólogo especialista em arquivologia do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo. Dedica-se à história da esquerda e do movimento estudantil nos anos 1970 e 1980 e ao tratamento de arquivos relacionados a essas temáticas. 

quinta-feira, maio 26, 2011

O capitalismo não é a única opção para a humanidade


Slavoj Zizek: 'O capitalismo não é a única opção para a humanidade'


Em um determinado momento da Primeira Guerra Mundial, em uma trincheira, um soldado alemão envia uma mensagem informando que a situação por lá “era catastrófica, mas não era grave”. Em seguida, recebeu a resposta dos aliados austríacos afirmando que a situação deles era “grave, mas não catastrófica”. 

Essa anedota é representada pelo filósofo Slavoj Zizek para explicar a atual falta de equilíbrio nas discussões sobre as crises mundiais e nas possíveis alternativas para solucioná-las. “Uns acham que vivemos uma situação catastrófica, mas que não é grave. Outros que a situação é grave, mas não catastrófica”, expôs o professor nascido na Eslovênia. 
Anne von der Heiden/divulgação 
 
O professor e filósofo Slavoj Zizek 

Neste fim de semana, Zizek participou da conferência “Revoluções, uma política do sensível”, promovida pelo Instituto de Tecnologia Social, pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, pelo SESC-SP e pela Boitempo Editorial. Com bom humor e comentários ácidos e perspicazes, ele defendeu a importância de um debate alternativo à imposição do capitalismo como única lógica possível de organização. Também criticou a forma como as mídias e os governos pautam a discussão ambiental. 

Durante o encontro, o professor explicou que a importância do trabalho filosófico está na prática de “destruição do pensamento dominante”. Ele alertou que é preciso colocar um fim à predominância da ideologia capitalista, já que a maioria das pessoas age como se não houvesse outra alternativa. 

Comunismo como opção 

“Os problemas que enfrentamos são comuns a todos nós, por isso o comunismo é uma alternativa. A utopia que temos hoje é acreditar que soluções isoladas é que vão resolver os problemas mundiais”, argumenta Zizek. 

Para o filósofo, devemos pensar em uma forma de organização política que “esteja fora da lógica e das regras do mercado”. A República Democrática do Congo, segundo o professor, é um sintoma do capitalismo global. “É um Estado que simplesmente não funciona como Estado. Trata-se de uma série de áreas controladas por generais locais que mantêm contratos com grandes empresas internacionais”. 

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Ele afirma que, a todo momento, dizem que comunismo é algo impossível. “Cientistas discutem aperfeiçoamentos genéticos que podem nos dar a imortalidade. Outros falam do uso da telepatia para operar aparelhos. Não podemos deixar que nos digam que o queremos é impossível!”, diz. 

Zizek cita o exemplo da China onde, segundo ele, foram proibidos livros, filmes, gibis e qualquer outra produção artística e cultural que sugira ou faça referência a realidades alternativas. “No Ocidente, não é preciso que nenhum governo proíba isso, nós encaramos a realidade como se ela só pudesse ser dessa forma”, analisa. 

Capitalismo ético-social? 

O capitalismo tem um enorme poder de absolver as críticas que recebe e de transformá-las em novas fontes de lucro, explica Zizek. “Hoje há uma espécie de capitalismo ‘ético-social’. Para você ficar com a consciência mais tranqüila, as grandes marcas dizem que 1% do valor do produto vai para crianças que passam fome ou para plantar mudas de árvores”, diz. 

Ele esclarece que essa lógica é própria da filosofia norte-americana, que vende a ideia de que, assim, “estamos salvando o mundo”. E nos sentimos bem com isso.   
Os problemas capitalistas estão sendo vistos como problemas morais, esclarece Zizek. Para ele, o problema disso é que, a partir desta visão, as pessoas comecem a acreditar que punições ou soluções morais são suficientes para resolver os problemas provocados pelo capitalismo. 

“Vejam como o presidente (dos EUA, Barack) Obama tratou a questão do vazamento de petróleo no México. Um problema ambiental foi transformado em um problema legal. Discutiu-se o se a empresa teria de recompensar e de quanto seria essa multa. É ridículo tratar um caso desses como uma simples questão legal”, exemplifica. 

A crise ambiental 

Quando a preocupação com a degradação ambiental ganhou força, a mídia dizia que isso era coisa de comunista que estava arrumando uma desculpa para criticar o capitalismo, conta o filósofo. “Agora há um discurso mais ambíguo, os canais de comunicação dizem, por exemplo, que quando as camadas de gelo derreterem, vai ficar mais barato comprar os produtos chineses”, ironiza Zizek. 

Para ele, há um “mecanismo de negação” em torno da questão ambiental. “Fala-se tanto da gravidade da natureza, de que o mundo pode acabar em um, dois anos, que isso amortiza a consciências das pessoas. Elas pensam: ‘Se eu falar muito nisso, talvez nada aconteça!’” ilustra o professor. 

De acordo com Zizek, a ideia de sustentabilidade é um mito e não há “equilíbrio ideal com a natureza para o qual podemos retornar”. Uma das ideia mais difundidas é que devemos buscar pequenas soluções para o meio ambiente. “Vocês gostam de torcer no futebol, não? Quando vão ao estádio e ficam gritando e pulando, acham que isso faz o seu time vencer. A reciclagem é igual a essa torcida”, brinca Zizek. 

Oriente Médio e África 

Zizek aponta que as recentes manifestações no Oriente Médio e na África mostram, ao contrário do que o Ocidente afirmava, que eles são capazes de se organizar por questões que vão além do fundamentalismo ou do anti-ceticismo. 

Para os padrões ocidentais, a liberdade em um país é medida, principalmente, na existência ou não de mecanismos eleitorais e no respeito aos direitos humanos. “A liberdade, como já dizia Marx, deve ser vista em como se dão as relações sociais. É preciso ver se as pessoas possuem liberdade dentro dos mecanismos sociais”. 

Segundo o filósofo, o momento mais importante destas revoluções é o “dia seguinte”. “Estamos muito animados com estes recentes acontecimentos. Mas a verdadeira revolução precisa acontecer agora”. 

Garantia Acme 

Slavoj Zizek concluiu a palestra com a previsão de que, ainda que demore mais um tempo, o sistema global vai revelar como é frágil, apesar de aparentar ser invencível. “O capitalismo está na mesma situação do Coiote perseguindo o Papa-léguas. Ela já passou a linha do abismo, só falta ele olhar para baixo e ver que não está mais pisando no chão!”. 


*colaborou Laís Bellini

CRIMINOSO É ESSE AUMENTO

Que os verdadeiros criminosos assumam o seu lugar

Eu passei a minha vida inteira ouvindo a frase de Che Guevera que diz: “Se você é capaz de tremer de indignação cada vez que se faz uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. Nesse tempo, acreditei piamente que eu era um daqueles. Estava enganado. Posso até ter me indignado, mas tremer de verdade só hoje descobri como é.

Logo cedo, pela manhã, abri minha caixa de e-mails e me deparei com uma mensagem em que vários movimentos e pessoas individualmente subscreviam uma petição de apoio a Enver José, militante do movimento estudantil de João Pessoa (PB) e um defensor incondicional das causas populares, entre as quais a luta por um transporte público de mais qualidade. Esse engajamento, segundo a petição, lhe rendeu um absurdo processo em que é acusado de tentativa de homicídio, com a mais absurda ainda justificativa de que ele teria atirado um objeto semelhante a uma granada em um ônibus durante as manifestações que decorreram do aumento abusivo no preço das passagens do transporte coletivo da cidade nas férias de 2010 para 2011.

Tremi e ainda tremo de indignação, e tenho dezenas de motivos para citar aqui. Antes de tudo, entretanto, preciso falar um pouco sobre quem é esse menino que injustamente está tendo de carregar nas costas toda a revolta de um setor empresarial assustado com a possibilidade de ser obrigado a prestar um serviço de qualidade aos cidadãos de João Pessoa.

Enver

Desde os meus 15 anos, até pouco tempo atrás, participei dos mais diversos espaços políticos que se pode imaginar. Lidei com militantes das mais diversas matizes, fosse como aliado ou como rival nas ideias. Nesse caminho, tanto ao meu lado quanto nos campos opostos, conheci gente de todo tipo, dos mais desprovidos de caráter aos mais honestos e sinceros sonhadores. Entre todos, pouquíssimos conseguiram levar à frente seus ideais de modo tão coerente quanto Enver. Consciente, fiel aos seus princípios e defensor das mobilizações pacíficas, sempre se colocou no lado mais fraco da corda, dando todas as suas forças – muitas vezes, sacrificando até sua própria vida pessoal – para ajudar a sustentar lutas legítimas das quais muita gente depende mas poucos têm a coragem de lutar. E justamente por isso ele está sofrendo esse ataque, por parte de um grupo que nunca foi nenhum exemplo de honestidade.

As empresas

Quando digo que tremi de indignação, não foi simplesmente por tudo que acabo de dizer sobre o militante. O que mais me perturba é saber que as acusações partem de um setor que não desfruta de nenhuma prerrogativa para acusar alguém. De um cartel que tem a cara dura de estampar na entrada dos seus veículos um “obrigado pela preferência”, quando todos sabemos que o monopólio, dominado praticamente por uma única família, é nossa única opção. Uma facção que avilta cotidianamente até os direitos de consumidor mais básicos dos quais deveríamos gozar: um serviço de qualidade e um preço justo. De senhores que não se incomodam de dar nomes santos a suas empresas e estampar imagens religiosas nos seus veículos ao mesmo tempo em que impõem aos seus funcionários péssimas condições de trabalho, sob um regime de assédio moral constante, obrigando-os muitas vezes, inclusive, a arcar com prejuízos decorrentes de assaltos e acidentes, mesmo que causados por falhas mecânicas (por mais que as propagandas falem de uma frota renovada, vários veículos velhos continuam na frota, principalmente nas linhas que cobrem bairros mais pobres). 

A nossa parte

Enquanto cidadãos, não podemos mais nos calar, como nas viagens de volta para casa após o trabalho, em ônibus lotados (todo trabalhador pessoense que anda de ônibus está aí para provar o que digo). Como nas horas que passamos esperando um ônibus que, oficialmente, deveria passar a cada 15 ou 20 minutos (quem trabalha na região coberta pelas linhas Mangabeira-Shopping entende o que falo). Como nas mudanças de rota sem aviso prévio à população, que, em muitos casos, precisa recorrer à adivinhação para saber onde tomar sua condução (isso, os moradores do José Américo pode explicar muito bem). Enfim, sempre que somos vítimas de uma manobra das empresas de ônibus que se pautam sempre, e exclusivamente, pela maximização dos seus lucros, evidentemente, às custas do povo.

Tática de máfia

O que estão fazendo com Enver é intimidação, para que sirva de exemplo a todos os outros cidadãos de bem que, por não suportarem mais os abusos cotidianos dos maus serviços de ônibus, já estejam pensando em organizar ou se engajar em algum protesto. É assim, com táticas de máfia, que eles agem para preservar os seus interesses. 

Não esqueçamos que criminalizar seus desafetos ou concorrente já é um velho expediente do cartel dos ônibus de João Pessoa, que há anos trabalha para relegar à condição de ilegal e criminosa a atividade de transporte alternativo, que, na verdade, se fosse regulamentada (com regras que, evidentemente, coibissem as más práticas existentes atualmente, decorrentes, em grande parte, da desregulamentação) permitiria que desfrutássemos do mais básico princípio do capitalismo, nesse sistema feudal de concessões hereditárias: a livre concorrência, fator que, bem ou mal, obrigaria as empresas a oferecerem um melhor serviço, sob o risco de perderem clientela.

É por temerem ser obrigados a prestar um bom serviço, inclusive, que os empresários estão tentando impor o medo a toda a população de João Pessoa. Mas absurdo mesmo seria eles conseguirem. 

Não esqueçam que a luta de Enver tem sido por cada um de nós, tanto os que foram lá lutar ao lado dele, quanto os que ficamos em casa vendo a vida passar.

Convocação

Faço aqui, mais urgentemente, uma convocação a todos que, de alguma maneira, sentem-se agredidos por esse ataque ilegítimo a um aliado do povo. 

Leiam e subscrevam a manifestação de apoio a Enver. Ela será muito importante na luta contra a injustiça que está sendo cometida: http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N10337

Além disso, quero convocá-los também a intensificar o debate sobre a qualidade dos transportes que nos são oferecidos (você que desfruta da frota renovada, lembre de quem mora no Colinas do Sul) e os abusivos aumentos que somos obrigados a engolir todos os anos, a despeito do visível aumento nas receitas das empresas através de, entre outras coisas, as publicidades internas que pagamos para assistir e virar estatística de público nos media kits apresentados pelo marketing das companhias aos seus anunciantes.

Políticos

À Câmara de Vereadores e à Assembleia dos Deputados, convoco-os, nobres representantes, a cumprir com seu papel de aliados da sociedade, sem medo de verem o financiamento de suas campanhas comprometido pela fuga dos “apoios” dos empresários do setor de transporte público que, ventila-se por aí, são bem generosos.

Imprensa

Aos meus colegas jornalistas, convido-os a dar uma revisada no nosso surrado código de ética, que não nos permite nunca esquecer que nosso trabalho deve ser pautado pelo interesse público. Interesse que não pode ser subjugado nem mesmo pelo afago concedido em forma de prêmio a alguns da categoria no final do ano pelas empresas de ônibus.

É muito perigoso aceitar inversões de valores como a que ocorre nesse caso. Não podemos permitir que uma vítima assuma o papel de criminoso que, definitivamente, não lhe cabe. 

Que os verdadeiros criminosos assumam o seu lugar.

Simão Mairins
jornalista

NÃO A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Prezad@s,

Repassando o Abaixo-assinado contra a criminalização dos movimentos sociais, em solidaridade à Enver! ASSINEM!
Enver foi acusado INJUSTAMENTE, POR PERSEGUIÇÃO À LUTA, de ter jogado uma bomba dentro de um ônibus com passageiros dentro em João Pessoa.  Essa acusação sendo direcionada a Enver, companheiro de luta do Movimento Levante e DCE UFPB, é uma clara perseguição ao ME e todos os outros movimentos envolvidos na luta contra o aumento da passagem na cidade de João Pessoa - Paraíba.

ASSINEM E DIVULGUEM o abaixo-assinado entre amigos, companheiros de luta e quem puderem!
 
LUTAR NÃO É CRIME! Para quem deseja saber mais sobre este processo tem uma nota de apoio/esclarecimento sobre o caso. Peço que leiam e assinem, por favor!

segunda-feira, maio 23, 2011

Como nos tempos da Inquisição!!!!!

Como nos tempos da Inquisição

Após defender o direito à união civil homoafetiva a CartaCapital, o pastor Ricardo Gondim vira alvo de ofensas na internet e perde o posto de colunista em revista evangélica na qual escrevia há 20 anos

Após defender o Estado laico e o reconhecimento jurídico da união homoafetiva em entrevista a CartaCapital no fim de abril (clique aqui para ler), o pastor Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista, virou alvo de ferrenhos ataques de grupos evangélicos na internet. Um fiel chegou a dizer, pelo Twitter, que se pudesse “arrancaria a cabeça” do pastor herege. “É como se vivêssemos nos tempos da Inquisição”, comenta Gondim, que já previa uma forte reação de setores do chamado mainstream evangélico, os movimentos neopentecostais com forte apelo midiático. Surpreendeu-se, no entanto, ao ser informado que, graças às declarações feitas à revista, não poderia mais escrever para uma publicação evangélica na qual assina colunas de opinião há 20 anos.

“Fui devidamente alertado pelo reverendo Elben Lenz Cesar de que meus posicionamentos expostos para a CartaCapital trariam ainda maior tensão para a revista Ultimato”, escreveu Gondim em seu site pessoal, na sexta-feira 20. “Respeito o corpo editorial da Ultimato por não se sentir confortável com a minha posição sobre os direitos civis dos homossexuais. Todavia, reafirmo minhas palavras: em um Estado laico, a lei não pode marginalizar, excluir ou distinguir como devassos, promíscuos ou pecadores, homens e mulheres que se declaram homoafetivos e buscam constituir relacionamentos estáveis. Minhas convicções teológicas ou pessoais não podem intervir no ordenamento das leis.”

Por telefone, o pastor explicou as razões expostas pela revista evangélica para “descontinuar” a sua coluna, falou sobre as ofensas que sofreu na internet e não demonstrou arrependimento ter falado à CartaCapital em abril. “A entrevista foi excelente para distinguir algumas coisas. Nem todos os evangélicos pensam como esses grupos midiáticos que confundem preceitos religiosos com ordenamento jurídico e querem impor sua vontade a todos.”

CartaCapital: Qual foi a justificativa dada pela revista Ultimato para descontinuar a sua coluna na publicação?
Ricardo Gondim:
Eu escrevi para a Ultimato por 20 anos. Trata-se de uma publicação evangélica bimensal, na qual eu tinha total liberdade para escrever sobre o que quisesse. Não falava apenas da doutrina, mas de muitos assuntos relacionados ao cotidiano evangélico. E nunca sofri qualquer tipo de censura. Mas, agora, eles entenderam que as minhas declarações a CartaCapital eram incompatíveis com o que a Ultimato defende e expuseram três argumentos para justificar a decisão. Eu não concordo com essas teses e, para dar uma satisfação aos leitores, publiquei uma carta de despedida no meu site (www.ricardogondim.com.br).

CC: A defesa dos direitos civis de homossexuais foi um dos aspectos criticados pelo corpo editorial da revista?
RG
: Sim. Eles entendem que o apoio à união civil de homossexuais abriria um precedente dentro das igrejas evangélicas para a legitimação do ato em si, a homossexualidade. Tentei explicar que uma coisa é teologia, outra é o ordenamento das leis. Num Estado é laico, não podemos impor preceitos religiosos à toda a sociedade. Uma coisa não transborda para a outra. Dei como exemplo o fato de a Igreja católica viver muito bem em países que reconhecem juridicamente o divórcio, embora ela condene a prática e se recuse a casar pessoas divorciadas. Eu não fiz uma defesa da homossexualidade, e sim dos direitos dos homossexuais. O direito deve premiar a todos. Num Estado democrático, até mesmo os assassinos têm direitos. Não é porque eles cometeram um crime que possam ser torturados ou agredidos, por exemplo. As igrejas podem ter uma posição contrária à homossexualidade, mas não podem confundir seus preceitos com o ordenamento jurídico do país ou tentar impor sua vontade. Muitos disseram que o Supremo Tribunal Federal tripudiou sobre as igrejas evangélicas ao reconhecer a união estável homoafetiva. Nada disso, o STF estava apenas garantindo os direitos de um segmento da sociedade. Essa é sua função.

CC: Quais foram os outros aspectos criticados?
RG:
Eles também criticaram uma passagem da entrevista na qual eu contesto a visão de um Deus títere, controlador da história e da liberdade humana, como se tudo que acontecesse de bom ou ruim fosse por vontade divina e ou tivesse algum significado maior. E apresentaram um argumento risível: o de que a minha tese coloca em xeque a ideia de um Deus soberano. Claro que sim! Deus soberano é uma visão construída na Idade Média, e serviu muito aos interesses de nobres e pessoas do clero que, para justificar seu poder, se colocavam como representantes da vontade divina na terra. Só que essa visão é incompatível com o mundo de hoje. O Estado é laico. As pessoas guiam os seus destinos. Deus não pode ser culpado por uma guerra, por exemplo. Não vejo nisso nenhuma expressão da vontade divina, nem como punição.

CC: O fato de o senhor ter criticado a expansão do movimento evangélico no País também foi destacada?
RG:
Sim. Eu fiz um contraponto à tese de que o Brasil ficará melhor com o crescimento da comunidade evangélica. Não acho que é bem assim. Critica-se muito a Europa pelo fato de as igrejas de lá estarem vazias, mas eu não vejo isso como um sinal de decadência. Ao contrário, igreja vazia pode ser sinal do cumprimento de preceitos do protestantismo se os cidadãos estão mais engajados com suas comunidades, dedicados às suas famílias, preocupados com os direitos humanos, vivendo os preceitos do cristianismo no cotidiano. Eu critico essa visão infantilizadora da vida, na qual um evangélico precisa da igreja para tudo e Deus é responsável por tudo o que acontece.

CC: O senhor se arrepende de ter concedido aquela entrevista à CartaCapital?
RG:
De maneira alguma. O repórter Gerson Freitas Jr. até conversou comigo, preocupado com a reação que as minhas declarações poderia causar na comunidade evangélica. A entrevista foi excelente para distinguir algumas coisas. Nem todos os evangélicos pensam como esses grupos midiáticos que confundem preceitos religiosos com ordenamento jurídico e querem impor sua vontade a todos. Eu já esperava alguma reação, só não sabia que viria com tanta virulência. Um evangélico chegou a dizer, pelo Twitter, que se pudesse arrancaria a minha cabeça. É como se vivêssemos nos tempos da Inquisição. Recebi inúmeros e-mails com ofensas e mensagens de ódio. Não sei precisar quantos, porque fui deletando na medida em que chegavam à caixa postal. Também surgiram centenas de textos me satanizando em blogs, sites e redes sociais.

CC: E entre os fiéis da sua igreja? Houve algum constrangimento?
RG:
Alguns, influenciados pelo bafafá na internet, vieram me questionar. Então fiz questão de dar uma satisfação à minha comunidade. Após discursar, acabei aplaudido de pé, fiquei até meio constrangido diante daquela manifestação de apoio.

Observação: Todos os comentários no site da CartaCapital estão submetidos a moderação. Não serão tolerados textos ofensivos, de teor preconceituoso ou com acusações injuriosas.

Fonte:http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/como-nos-tempos-da-inquisicao

domingo, maio 22, 2011

Revolução na Espanha!


MANIFESTO da Revolução na Espanha, uma mobilização espontânea, sem ligações partidárias e ordeira!!

" Quem somos?
Somos pessoas que vieram livre e voluntariamente, que depois da manifestaçao decidimos nos reunir para seguir reinvindicando a dignidade e a consciência política e social.
Nao representamos nenhum partido ou associaçao.
Nos une uma vontade de mudança.
Estamos aqui por dignidade e por solidariedade com os que aqui no podem estar.
Porque estamos aqui?
Estamos aqui porque queremos uma sociedade nova que de prioridade à vida acima dos interesses econômicos e políticos, Reinvindicamos uma mudança na sociedade e na consciência social. Demonstrar que a sociedade nao dormiu e que seguiremos lutando pelo que merecemos pela via pacífica.
Apoiamos os companheiros que foram detidos na manifestaçao e pedimos que sejam colocados em liberdade.
Queremos tudo, queremos agora, se concorda com a gente: Una-se"

quinta-feira, maio 19, 2011

Quatro mentiras sobre o ambiente - Eduardo Galeano


18/05/2011 - 12:31 | Eduardo Galeano | Montevidéu

Quatro mentiras sobre o ambiente

Quatro frases que aumentam o nariz do Pinóquio 


1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.


A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade. 

Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam. 

Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível. 

Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo. 

2- É verde aquilo que se pinta de verde.

Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação. 

Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.” 

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O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente. 

O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete. 

A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques. 

3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.

Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno. 

No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas. 

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A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil. 

Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político. 

4- A natureza está fora de nós.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. 

Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. 

Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer. 


*Artigo publicado pelo blog Outras Palavras

terça-feira, maio 31, 2011

Especialista do tema aborda conflitos históricos e políticos do movimento estudantil brasileiro

ENTREVISTA - Especialista do tema aborda conflitos históricos e políticos do movimento estudantil brasileiro 


Eduardo Sales de Lima 

da Redação do BRASIL DE FATO

OCUPAÇÕES, GREVES, fragmentação política. Nos últimos anos, temas como esses pautaram os debates em torno do movimento estudantil brasileiro. Em entrevista, o sociólogo Carlos Menegozzo, do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, afirma que o movimento estudantil enfrenta "uma crise prolongada, pontuada por ações de protesto tão explosivas quanto efêmeras". 

Ele comenta as novas perspectivas de organização da União Nacional dos Estudantes (UNE) diante da criação do Programa Universidade para Todos (Prouni). A reforma universitária, segundo ele, é um dos principais elementos para que a mobilização dentro do movimento estudantil atinja um número maior de pessoas. 

Brasil de Fato - Atualmente, você acredita que ocorre um processo de reorganização política e ideológica do movimento estudantil? Sobretudo após as ocupações das reitorias em 2007? 

Carlos Menegozzo - Sou cético em relação ao que se tem chamado de "novo movimento estudantil". As ocupações de 2007 e 2008 reforçam uma tendência histórica do movimento nas últimas décadas, em que há uma crise prolongada, pontuada por ações de protesto tão explosivas quanto efêmeras. Esse processo se dá sobre uma base objetiva que remonta à reforma universitária de 1968, quando as instituições se fragmentaram, dividindo também o movimento. Cada universidade ou faculdade têm perfil e movimento próprios, enquanto, nos cursos, as turmas se diluem com o sistema de matrícula por créditos. Os movimentos explosivos e efêmeros emergem quando, apesar de uma crise prolongada e da dedicação militante, a diversidade de experiências estudantis fragmentadas se articula circunstancialmente em torno de uma pauta comum. Foi isso que ocorreu em 2007: o movimento se tornou coeso em torno das ocupações, tomadas como forma de protesto. O mesmo se deu no "Fora Collor" com a questão da "ética na política". Daí meu ceticismo em relação à ideia de um "novo movimento estudantil". 

O que muda na organização do movimento estudantil no Brasil a partir do acesso de um número maior de jovens no ensino superior, sobretudo nas universidades privadas? A tendência da UNE, hoje, é debater mais com esses estudantes? 

A ampliação do ensino superior não é uma novidade. Historicamente, me parece que está associada a um incremento da atividade política na universidade. Foi assim nas reformas de 1870 e 1940-1960, por exemplo. Mas há outros fatores que determinam o protesto estudantil e, por essa razão, uma coisa não leva à outra necessariamente. Esse é caso dos anos de 1980 e posteriores. Quanto às instituições particulares, também não são novidade. Não vejo sua ampliação como uma mudança substantiva em termos de impacto sobre o movimento: reforçam a tendência à fragmentação intensificada desde a reforma de 1968. De todo modo vale o registro de que, nas particulares, por sua natureza e composição social, fatores como a pressão do mercado são maiores, o que pode afetar o nível geral da mobilização. Quanto à UNE, penso que sua intervenção compreende e organiza melhor a experiência e as reivindicações desses setores. Coisa que a porção minoritária da diretoria da entidade, apesar da maior radicalidade de seu programa, não consegue, e deveria, fazer. 

O movimento estudantil já foi mais combativo ou isso é um mito levado a cabo pelos saudosistas? Hoje o estudante sobrepõe as questões práticas às ideológicas? 

O movimento já foi mais forte e politizado, e isto não é um mito. Obviamente há toda uma mitologia que se construiu em torno de episódios como o maio de 1968 e muitas vezes isso impede o movimento de perceber certos processos: quem acha que nas ações de 1968 todo mundo era socialista, por exemplo, não vai entender porque a participação diminuiu na universidade de lá para cá. Nesse contexto, a falta de participação acaba sendo explicada pela presença dos partidos ou pela "traição das direções". Insuficientes, tais leituras ignoram variáveis como a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, além das responsabilidades ou dependência do estudante em relação à família, que afetam a disponibilidade e a disposição para a militância. Paralelamente a isso, existem também formas de politização que o militante não compreende e, nesse caso, a aparente falta de interesse do estudante reflete também a incapacidade do movimento em falar a língua dele. 

A representatividade partidária dentro dos diretórios centrais de estudantes (DCEs) é legítima? Em que sentido ela pode atrapalhar a ação política dentro do espaço universitário? 

A presença é legítima porque a entidade é expressão de um conflito de ideias que ocorre na sua base política. E os partidos são uma forma de organizar coletivamente essas ideias tão legítima quanto os grupos não-partidários. Muitos acham que a culpa pela crise do movimento é dos partidos, mas essa leitura ignora o fato de que o movimento nunca foi tão forte e partidarizado quanto nos anos de 1960, nem tão fraco e despartidarizado quanto nos anos de 1980. Ou seja, a presença dos partidos não é necessariamente sinônimo de crise e desmobilização. Mas os partidos têm ajudado pouco: não têm cumprido a sua função, que é a de levar o movimento a se pensar no quadro geral - uma condição imprescindível para a superação de sua atual crise. Por essas razões, acho que falta ação partidária na universidade, apesar da presença dos partidos. Mais que legítimos, portanto, os partidos são imprescindíveis. 

O movimento estudantil está mais próximo dos movimentos sociais? 

Não me parece haver uma mudança substantiva nesse sentido em relação às últimas décadas. A relação existe, mas na falta de projeto global de sociedade - e aí o problema é dos partidos, como disse antes - essa relação se reduz a uma somatória de reivindicações corporativas, o que efetivamente não transforma a sociedade. O quadro hoje está mais para "cada um na sua, mas com alguma coisa em comum" do que para uma ofensiva contra-hegemônica. Não basta estar lado a lado, é preciso haver um acordo em relação a um eixo estratégico. Quanto mais próximo estiver esse eixo do "elo fraco da cadeia", então mais efetivo será o papel dos movimentos, inclusive do movimento estudantil, na luta geral. Mas, para isso, insisto, falta uma atuação partidária mais consistente. 

Por não haver um impulso à formação política, o movimento estudantil, hoje, é mais reagente que agente? Parece que os estudantes uspianos só aderiram à greve por causa da presença da PM na USP. 

Acho que há uma ligação entre esses dois elementos. Como disse anteriormente, a coesão circunstancial de experiências fragmentadas em torno de uma pauta comum é uma tendência do movimento estudantil nas últimas décadas. O movimento recente não escapa a essa dinâmica: nesse caso, foi a violência policial que detonou o mecanismo. Vejo a formação política como um dos fatores que podem ajudar a esquerda e o movimento a compreender historicamente essa dinâmica e a equacioná- la estrategicamente. Na falta de uma formulação estratégica, impossível sem formação política, a tendência é não pautarmos a conjuntura e a história, mas sermos pautados por elas. Por outro lado, é verdade que certas leituras que fazemos da história, a partir das quais construímos nossa própria identidade, tornam a experiência e o estudo bastante seletivos, impedindo que se abram à compreensão do real. Nesses casos, doutrinária, a formação não resolve, mas agrava o problema da "reatividade". 

Qual o maior desafio para que o movimento estudantil seja massivo e atinja um número maior de estudantes? 

Como num bolo, a forma é tão importante quanto a massa. Isso também vale para os movimentos: quer dizer, não basta a receita do protesto estar ali, pois sem expressão organizada não há movimento, mas ações espalhadas. Acho que nesse contexto a massificação se constrói em duas frentes. Primeiro, é preciso sensibilidade por parte do movimento para dialogar com as experiências e culturas estudantis que se multiplicam com a fragmentação da universidade, ampliando e dando o máximo de coesão ao movimento. Do contrário o movimento vira um gueto e é exatamente isso que tem acontecido nas últimas décadas. Segundo, é preciso superar a base objetiva, fragmentária, sobre a qual os movimentos existentes se dispersam. E, para isso, é preciso uma reforma universitária, que por sua vez depende não somente da luta estudantil, mas de uma mudança na correlação geral de forças. Insisto uma vez mais: faltam aos partidos capacidade de estabelecer uma estratégia que permita essa mudança. E é por essa razão que estou convicto de que a crise do movimento é, na verdade, uma crise da esquerda. 


Quem é: 
Carlos Henrique Metidieri Menegozzo, 28 anos, é sociólogo especialista em arquivologia do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo. Dedica-se à história da esquerda e do movimento estudantil nos anos 1970 e 1980 e ao tratamento de arquivos relacionados a essas temáticas. 

quinta-feira, maio 26, 2011

O capitalismo não é a única opção para a humanidade


Slavoj Zizek: 'O capitalismo não é a única opção para a humanidade'


Em um determinado momento da Primeira Guerra Mundial, em uma trincheira, um soldado alemão envia uma mensagem informando que a situação por lá “era catastrófica, mas não era grave”. Em seguida, recebeu a resposta dos aliados austríacos afirmando que a situação deles era “grave, mas não catastrófica”. 

Essa anedota é representada pelo filósofo Slavoj Zizek para explicar a atual falta de equilíbrio nas discussões sobre as crises mundiais e nas possíveis alternativas para solucioná-las. “Uns acham que vivemos uma situação catastrófica, mas que não é grave. Outros que a situação é grave, mas não catastrófica”, expôs o professor nascido na Eslovênia. 
Anne von der Heiden/divulgação 
 
O professor e filósofo Slavoj Zizek 

Neste fim de semana, Zizek participou da conferência “Revoluções, uma política do sensível”, promovida pelo Instituto de Tecnologia Social, pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, pelo SESC-SP e pela Boitempo Editorial. Com bom humor e comentários ácidos e perspicazes, ele defendeu a importância de um debate alternativo à imposição do capitalismo como única lógica possível de organização. Também criticou a forma como as mídias e os governos pautam a discussão ambiental. 

Durante o encontro, o professor explicou que a importância do trabalho filosófico está na prática de “destruição do pensamento dominante”. Ele alertou que é preciso colocar um fim à predominância da ideologia capitalista, já que a maioria das pessoas age como se não houvesse outra alternativa. 

Comunismo como opção 

“Os problemas que enfrentamos são comuns a todos nós, por isso o comunismo é uma alternativa. A utopia que temos hoje é acreditar que soluções isoladas é que vão resolver os problemas mundiais”, argumenta Zizek. 

Para o filósofo, devemos pensar em uma forma de organização política que “esteja fora da lógica e das regras do mercado”. A República Democrática do Congo, segundo o professor, é um sintoma do capitalismo global. “É um Estado que simplesmente não funciona como Estado. Trata-se de uma série de áreas controladas por generais locais que mantêm contratos com grandes empresas internacionais”. 

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Com ônibus itinerante, comunistas nos EUA buscam apoio da juventude Zizek e a importância das causas perdidas 
Ele afirma que, a todo momento, dizem que comunismo é algo impossível. “Cientistas discutem aperfeiçoamentos genéticos que podem nos dar a imortalidade. Outros falam do uso da telepatia para operar aparelhos. Não podemos deixar que nos digam que o queremos é impossível!”, diz. 

Zizek cita o exemplo da China onde, segundo ele, foram proibidos livros, filmes, gibis e qualquer outra produção artística e cultural que sugira ou faça referência a realidades alternativas. “No Ocidente, não é preciso que nenhum governo proíba isso, nós encaramos a realidade como se ela só pudesse ser dessa forma”, analisa. 

Capitalismo ético-social? 

O capitalismo tem um enorme poder de absolver as críticas que recebe e de transformá-las em novas fontes de lucro, explica Zizek. “Hoje há uma espécie de capitalismo ‘ético-social’. Para você ficar com a consciência mais tranqüila, as grandes marcas dizem que 1% do valor do produto vai para crianças que passam fome ou para plantar mudas de árvores”, diz. 

Ele esclarece que essa lógica é própria da filosofia norte-americana, que vende a ideia de que, assim, “estamos salvando o mundo”. E nos sentimos bem com isso.   
Os problemas capitalistas estão sendo vistos como problemas morais, esclarece Zizek. Para ele, o problema disso é que, a partir desta visão, as pessoas comecem a acreditar que punições ou soluções morais são suficientes para resolver os problemas provocados pelo capitalismo. 

“Vejam como o presidente (dos EUA, Barack) Obama tratou a questão do vazamento de petróleo no México. Um problema ambiental foi transformado em um problema legal. Discutiu-se o se a empresa teria de recompensar e de quanto seria essa multa. É ridículo tratar um caso desses como uma simples questão legal”, exemplifica. 

A crise ambiental 

Quando a preocupação com a degradação ambiental ganhou força, a mídia dizia que isso era coisa de comunista que estava arrumando uma desculpa para criticar o capitalismo, conta o filósofo. “Agora há um discurso mais ambíguo, os canais de comunicação dizem, por exemplo, que quando as camadas de gelo derreterem, vai ficar mais barato comprar os produtos chineses”, ironiza Zizek. 

Para ele, há um “mecanismo de negação” em torno da questão ambiental. “Fala-se tanto da gravidade da natureza, de que o mundo pode acabar em um, dois anos, que isso amortiza a consciências das pessoas. Elas pensam: ‘Se eu falar muito nisso, talvez nada aconteça!’” ilustra o professor. 

De acordo com Zizek, a ideia de sustentabilidade é um mito e não há “equilíbrio ideal com a natureza para o qual podemos retornar”. Uma das ideia mais difundidas é que devemos buscar pequenas soluções para o meio ambiente. “Vocês gostam de torcer no futebol, não? Quando vão ao estádio e ficam gritando e pulando, acham que isso faz o seu time vencer. A reciclagem é igual a essa torcida”, brinca Zizek. 

Oriente Médio e África 

Zizek aponta que as recentes manifestações no Oriente Médio e na África mostram, ao contrário do que o Ocidente afirmava, que eles são capazes de se organizar por questões que vão além do fundamentalismo ou do anti-ceticismo. 

Para os padrões ocidentais, a liberdade em um país é medida, principalmente, na existência ou não de mecanismos eleitorais e no respeito aos direitos humanos. “A liberdade, como já dizia Marx, deve ser vista em como se dão as relações sociais. É preciso ver se as pessoas possuem liberdade dentro dos mecanismos sociais”. 

Segundo o filósofo, o momento mais importante destas revoluções é o “dia seguinte”. “Estamos muito animados com estes recentes acontecimentos. Mas a verdadeira revolução precisa acontecer agora”. 

Garantia Acme 

Slavoj Zizek concluiu a palestra com a previsão de que, ainda que demore mais um tempo, o sistema global vai revelar como é frágil, apesar de aparentar ser invencível. “O capitalismo está na mesma situação do Coiote perseguindo o Papa-léguas. Ela já passou a linha do abismo, só falta ele olhar para baixo e ver que não está mais pisando no chão!”. 


*colaborou Laís Bellini

CRIMINOSO É ESSE AUMENTO

Que os verdadeiros criminosos assumam o seu lugar

Eu passei a minha vida inteira ouvindo a frase de Che Guevera que diz: “Se você é capaz de tremer de indignação cada vez que se faz uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. Nesse tempo, acreditei piamente que eu era um daqueles. Estava enganado. Posso até ter me indignado, mas tremer de verdade só hoje descobri como é.

Logo cedo, pela manhã, abri minha caixa de e-mails e me deparei com uma mensagem em que vários movimentos e pessoas individualmente subscreviam uma petição de apoio a Enver José, militante do movimento estudantil de João Pessoa (PB) e um defensor incondicional das causas populares, entre as quais a luta por um transporte público de mais qualidade. Esse engajamento, segundo a petição, lhe rendeu um absurdo processo em que é acusado de tentativa de homicídio, com a mais absurda ainda justificativa de que ele teria atirado um objeto semelhante a uma granada em um ônibus durante as manifestações que decorreram do aumento abusivo no preço das passagens do transporte coletivo da cidade nas férias de 2010 para 2011.

Tremi e ainda tremo de indignação, e tenho dezenas de motivos para citar aqui. Antes de tudo, entretanto, preciso falar um pouco sobre quem é esse menino que injustamente está tendo de carregar nas costas toda a revolta de um setor empresarial assustado com a possibilidade de ser obrigado a prestar um serviço de qualidade aos cidadãos de João Pessoa.

Enver

Desde os meus 15 anos, até pouco tempo atrás, participei dos mais diversos espaços políticos que se pode imaginar. Lidei com militantes das mais diversas matizes, fosse como aliado ou como rival nas ideias. Nesse caminho, tanto ao meu lado quanto nos campos opostos, conheci gente de todo tipo, dos mais desprovidos de caráter aos mais honestos e sinceros sonhadores. Entre todos, pouquíssimos conseguiram levar à frente seus ideais de modo tão coerente quanto Enver. Consciente, fiel aos seus princípios e defensor das mobilizações pacíficas, sempre se colocou no lado mais fraco da corda, dando todas as suas forças – muitas vezes, sacrificando até sua própria vida pessoal – para ajudar a sustentar lutas legítimas das quais muita gente depende mas poucos têm a coragem de lutar. E justamente por isso ele está sofrendo esse ataque, por parte de um grupo que nunca foi nenhum exemplo de honestidade.

As empresas

Quando digo que tremi de indignação, não foi simplesmente por tudo que acabo de dizer sobre o militante. O que mais me perturba é saber que as acusações partem de um setor que não desfruta de nenhuma prerrogativa para acusar alguém. De um cartel que tem a cara dura de estampar na entrada dos seus veículos um “obrigado pela preferência”, quando todos sabemos que o monopólio, dominado praticamente por uma única família, é nossa única opção. Uma facção que avilta cotidianamente até os direitos de consumidor mais básicos dos quais deveríamos gozar: um serviço de qualidade e um preço justo. De senhores que não se incomodam de dar nomes santos a suas empresas e estampar imagens religiosas nos seus veículos ao mesmo tempo em que impõem aos seus funcionários péssimas condições de trabalho, sob um regime de assédio moral constante, obrigando-os muitas vezes, inclusive, a arcar com prejuízos decorrentes de assaltos e acidentes, mesmo que causados por falhas mecânicas (por mais que as propagandas falem de uma frota renovada, vários veículos velhos continuam na frota, principalmente nas linhas que cobrem bairros mais pobres). 

A nossa parte

Enquanto cidadãos, não podemos mais nos calar, como nas viagens de volta para casa após o trabalho, em ônibus lotados (todo trabalhador pessoense que anda de ônibus está aí para provar o que digo). Como nas horas que passamos esperando um ônibus que, oficialmente, deveria passar a cada 15 ou 20 minutos (quem trabalha na região coberta pelas linhas Mangabeira-Shopping entende o que falo). Como nas mudanças de rota sem aviso prévio à população, que, em muitos casos, precisa recorrer à adivinhação para saber onde tomar sua condução (isso, os moradores do José Américo pode explicar muito bem). Enfim, sempre que somos vítimas de uma manobra das empresas de ônibus que se pautam sempre, e exclusivamente, pela maximização dos seus lucros, evidentemente, às custas do povo.

Tática de máfia

O que estão fazendo com Enver é intimidação, para que sirva de exemplo a todos os outros cidadãos de bem que, por não suportarem mais os abusos cotidianos dos maus serviços de ônibus, já estejam pensando em organizar ou se engajar em algum protesto. É assim, com táticas de máfia, que eles agem para preservar os seus interesses. 

Não esqueçamos que criminalizar seus desafetos ou concorrente já é um velho expediente do cartel dos ônibus de João Pessoa, que há anos trabalha para relegar à condição de ilegal e criminosa a atividade de transporte alternativo, que, na verdade, se fosse regulamentada (com regras que, evidentemente, coibissem as más práticas existentes atualmente, decorrentes, em grande parte, da desregulamentação) permitiria que desfrutássemos do mais básico princípio do capitalismo, nesse sistema feudal de concessões hereditárias: a livre concorrência, fator que, bem ou mal, obrigaria as empresas a oferecerem um melhor serviço, sob o risco de perderem clientela.

É por temerem ser obrigados a prestar um bom serviço, inclusive, que os empresários estão tentando impor o medo a toda a população de João Pessoa. Mas absurdo mesmo seria eles conseguirem. 

Não esqueçam que a luta de Enver tem sido por cada um de nós, tanto os que foram lá lutar ao lado dele, quanto os que ficamos em casa vendo a vida passar.

Convocação

Faço aqui, mais urgentemente, uma convocação a todos que, de alguma maneira, sentem-se agredidos por esse ataque ilegítimo a um aliado do povo. 

Leiam e subscrevam a manifestação de apoio a Enver. Ela será muito importante na luta contra a injustiça que está sendo cometida: http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N10337

Além disso, quero convocá-los também a intensificar o debate sobre a qualidade dos transportes que nos são oferecidos (você que desfruta da frota renovada, lembre de quem mora no Colinas do Sul) e os abusivos aumentos que somos obrigados a engolir todos os anos, a despeito do visível aumento nas receitas das empresas através de, entre outras coisas, as publicidades internas que pagamos para assistir e virar estatística de público nos media kits apresentados pelo marketing das companhias aos seus anunciantes.

Políticos

À Câmara de Vereadores e à Assembleia dos Deputados, convoco-os, nobres representantes, a cumprir com seu papel de aliados da sociedade, sem medo de verem o financiamento de suas campanhas comprometido pela fuga dos “apoios” dos empresários do setor de transporte público que, ventila-se por aí, são bem generosos.

Imprensa

Aos meus colegas jornalistas, convido-os a dar uma revisada no nosso surrado código de ética, que não nos permite nunca esquecer que nosso trabalho deve ser pautado pelo interesse público. Interesse que não pode ser subjugado nem mesmo pelo afago concedido em forma de prêmio a alguns da categoria no final do ano pelas empresas de ônibus.

É muito perigoso aceitar inversões de valores como a que ocorre nesse caso. Não podemos permitir que uma vítima assuma o papel de criminoso que, definitivamente, não lhe cabe. 

Que os verdadeiros criminosos assumam o seu lugar.

Simão Mairins
jornalista

NÃO A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Prezad@s,

Repassando o Abaixo-assinado contra a criminalização dos movimentos sociais, em solidaridade à Enver! ASSINEM!
Enver foi acusado INJUSTAMENTE, POR PERSEGUIÇÃO À LUTA, de ter jogado uma bomba dentro de um ônibus com passageiros dentro em João Pessoa.  Essa acusação sendo direcionada a Enver, companheiro de luta do Movimento Levante e DCE UFPB, é uma clara perseguição ao ME e todos os outros movimentos envolvidos na luta contra o aumento da passagem na cidade de João Pessoa - Paraíba.

ASSINEM E DIVULGUEM o abaixo-assinado entre amigos, companheiros de luta e quem puderem!
 
LUTAR NÃO É CRIME! Para quem deseja saber mais sobre este processo tem uma nota de apoio/esclarecimento sobre o caso. Peço que leiam e assinem, por favor!

segunda-feira, maio 23, 2011

Como nos tempos da Inquisição!!!!!

Como nos tempos da Inquisição

Após defender o direito à união civil homoafetiva a CartaCapital, o pastor Ricardo Gondim vira alvo de ofensas na internet e perde o posto de colunista em revista evangélica na qual escrevia há 20 anos

Após defender o Estado laico e o reconhecimento jurídico da união homoafetiva em entrevista a CartaCapital no fim de abril (clique aqui para ler), o pastor Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista, virou alvo de ferrenhos ataques de grupos evangélicos na internet. Um fiel chegou a dizer, pelo Twitter, que se pudesse “arrancaria a cabeça” do pastor herege. “É como se vivêssemos nos tempos da Inquisição”, comenta Gondim, que já previa uma forte reação de setores do chamado mainstream evangélico, os movimentos neopentecostais com forte apelo midiático. Surpreendeu-se, no entanto, ao ser informado que, graças às declarações feitas à revista, não poderia mais escrever para uma publicação evangélica na qual assina colunas de opinião há 20 anos.

“Fui devidamente alertado pelo reverendo Elben Lenz Cesar de que meus posicionamentos expostos para a CartaCapital trariam ainda maior tensão para a revista Ultimato”, escreveu Gondim em seu site pessoal, na sexta-feira 20. “Respeito o corpo editorial da Ultimato por não se sentir confortável com a minha posição sobre os direitos civis dos homossexuais. Todavia, reafirmo minhas palavras: em um Estado laico, a lei não pode marginalizar, excluir ou distinguir como devassos, promíscuos ou pecadores, homens e mulheres que se declaram homoafetivos e buscam constituir relacionamentos estáveis. Minhas convicções teológicas ou pessoais não podem intervir no ordenamento das leis.”

Por telefone, o pastor explicou as razões expostas pela revista evangélica para “descontinuar” a sua coluna, falou sobre as ofensas que sofreu na internet e não demonstrou arrependimento ter falado à CartaCapital em abril. “A entrevista foi excelente para distinguir algumas coisas. Nem todos os evangélicos pensam como esses grupos midiáticos que confundem preceitos religiosos com ordenamento jurídico e querem impor sua vontade a todos.”

CartaCapital: Qual foi a justificativa dada pela revista Ultimato para descontinuar a sua coluna na publicação?
Ricardo Gondim:
Eu escrevi para a Ultimato por 20 anos. Trata-se de uma publicação evangélica bimensal, na qual eu tinha total liberdade para escrever sobre o que quisesse. Não falava apenas da doutrina, mas de muitos assuntos relacionados ao cotidiano evangélico. E nunca sofri qualquer tipo de censura. Mas, agora, eles entenderam que as minhas declarações a CartaCapital eram incompatíveis com o que a Ultimato defende e expuseram três argumentos para justificar a decisão. Eu não concordo com essas teses e, para dar uma satisfação aos leitores, publiquei uma carta de despedida no meu site (www.ricardogondim.com.br).

CC: A defesa dos direitos civis de homossexuais foi um dos aspectos criticados pelo corpo editorial da revista?
RG
: Sim. Eles entendem que o apoio à união civil de homossexuais abriria um precedente dentro das igrejas evangélicas para a legitimação do ato em si, a homossexualidade. Tentei explicar que uma coisa é teologia, outra é o ordenamento das leis. Num Estado é laico, não podemos impor preceitos religiosos à toda a sociedade. Uma coisa não transborda para a outra. Dei como exemplo o fato de a Igreja católica viver muito bem em países que reconhecem juridicamente o divórcio, embora ela condene a prática e se recuse a casar pessoas divorciadas. Eu não fiz uma defesa da homossexualidade, e sim dos direitos dos homossexuais. O direito deve premiar a todos. Num Estado democrático, até mesmo os assassinos têm direitos. Não é porque eles cometeram um crime que possam ser torturados ou agredidos, por exemplo. As igrejas podem ter uma posição contrária à homossexualidade, mas não podem confundir seus preceitos com o ordenamento jurídico do país ou tentar impor sua vontade. Muitos disseram que o Supremo Tribunal Federal tripudiou sobre as igrejas evangélicas ao reconhecer a união estável homoafetiva. Nada disso, o STF estava apenas garantindo os direitos de um segmento da sociedade. Essa é sua função.

CC: Quais foram os outros aspectos criticados?
RG:
Eles também criticaram uma passagem da entrevista na qual eu contesto a visão de um Deus títere, controlador da história e da liberdade humana, como se tudo que acontecesse de bom ou ruim fosse por vontade divina e ou tivesse algum significado maior. E apresentaram um argumento risível: o de que a minha tese coloca em xeque a ideia de um Deus soberano. Claro que sim! Deus soberano é uma visão construída na Idade Média, e serviu muito aos interesses de nobres e pessoas do clero que, para justificar seu poder, se colocavam como representantes da vontade divina na terra. Só que essa visão é incompatível com o mundo de hoje. O Estado é laico. As pessoas guiam os seus destinos. Deus não pode ser culpado por uma guerra, por exemplo. Não vejo nisso nenhuma expressão da vontade divina, nem como punição.

CC: O fato de o senhor ter criticado a expansão do movimento evangélico no País também foi destacada?
RG:
Sim. Eu fiz um contraponto à tese de que o Brasil ficará melhor com o crescimento da comunidade evangélica. Não acho que é bem assim. Critica-se muito a Europa pelo fato de as igrejas de lá estarem vazias, mas eu não vejo isso como um sinal de decadência. Ao contrário, igreja vazia pode ser sinal do cumprimento de preceitos do protestantismo se os cidadãos estão mais engajados com suas comunidades, dedicados às suas famílias, preocupados com os direitos humanos, vivendo os preceitos do cristianismo no cotidiano. Eu critico essa visão infantilizadora da vida, na qual um evangélico precisa da igreja para tudo e Deus é responsável por tudo o que acontece.

CC: O senhor se arrepende de ter concedido aquela entrevista à CartaCapital?
RG:
De maneira alguma. O repórter Gerson Freitas Jr. até conversou comigo, preocupado com a reação que as minhas declarações poderia causar na comunidade evangélica. A entrevista foi excelente para distinguir algumas coisas. Nem todos os evangélicos pensam como esses grupos midiáticos que confundem preceitos religiosos com ordenamento jurídico e querem impor sua vontade a todos. Eu já esperava alguma reação, só não sabia que viria com tanta virulência. Um evangélico chegou a dizer, pelo Twitter, que se pudesse arrancaria a minha cabeça. É como se vivêssemos nos tempos da Inquisição. Recebi inúmeros e-mails com ofensas e mensagens de ódio. Não sei precisar quantos, porque fui deletando na medida em que chegavam à caixa postal. Também surgiram centenas de textos me satanizando em blogs, sites e redes sociais.

CC: E entre os fiéis da sua igreja? Houve algum constrangimento?
RG:
Alguns, influenciados pelo bafafá na internet, vieram me questionar. Então fiz questão de dar uma satisfação à minha comunidade. Após discursar, acabei aplaudido de pé, fiquei até meio constrangido diante daquela manifestação de apoio.

Observação: Todos os comentários no site da CartaCapital estão submetidos a moderação. Não serão tolerados textos ofensivos, de teor preconceituoso ou com acusações injuriosas.

Fonte:http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/como-nos-tempos-da-inquisicao

domingo, maio 22, 2011

Revolução na Espanha!


MANIFESTO da Revolução na Espanha, uma mobilização espontânea, sem ligações partidárias e ordeira!!

" Quem somos?
Somos pessoas que vieram livre e voluntariamente, que depois da manifestaçao decidimos nos reunir para seguir reinvindicando a dignidade e a consciência política e social.
Nao representamos nenhum partido ou associaçao.
Nos une uma vontade de mudança.
Estamos aqui por dignidade e por solidariedade com os que aqui no podem estar.
Porque estamos aqui?
Estamos aqui porque queremos uma sociedade nova que de prioridade à vida acima dos interesses econômicos e políticos, Reinvindicamos uma mudança na sociedade e na consciência social. Demonstrar que a sociedade nao dormiu e que seguiremos lutando pelo que merecemos pela via pacífica.
Apoiamos os companheiros que foram detidos na manifestaçao e pedimos que sejam colocados em liberdade.
Queremos tudo, queremos agora, se concorda com a gente: Una-se"

quinta-feira, maio 19, 2011

Quatro mentiras sobre o ambiente - Eduardo Galeano


18/05/2011 - 12:31 | Eduardo Galeano | Montevidéu

Quatro mentiras sobre o ambiente

Quatro frases que aumentam o nariz do Pinóquio 


1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.


A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade. 

Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam. 

Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível. 

Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo. 

2- É verde aquilo que se pinta de verde.

Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação. 

Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.” 

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O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente. 

O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete. 

A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques. 

3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.

Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno. 

No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas. 

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A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil. 

Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político. 

4- A natureza está fora de nós.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. 

Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. 

Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer. 


*Artigo publicado pelo blog Outras Palavras