segunda-feira, outubro 18, 2010

A Bacia das Almas | Uma encruzilhada de humanidades


A Bacia das Almas | Uma encruzilhada de humanidades 

Link to A Bacia das Almas 


Posted: 16 Oct 2010 08:56 PM PDT
Desconstruir concepções infundadas e preconceituosas é talvez a aventura mais extraordinária e comovente que vivo na Europa. Uma a uma, diversas idéias tortas que trouxe comigo do Brasil são sistematicamente moídas.
[...]
Ah, quão maravilhoso é o tempo em que meu coração fica aberto à humanidade alheia, em que vivo o tempo de que fala Drummond, no poema “Mãos Dadas”:
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
A vida presente
Quantas experiências e pessoas lindas eu tenho visto nesse tempo presente…
O judeu suíço que, terminado seu estágio no hospital em que trabalho, me deu um ótimo armário que ficava em sua casa… E ainda me ajudou a trazê-lo (de metrô) ao meu apartamento, que fica no sexto andar de um prédio sem elevador. Não recebeu nada em troca: foi movido somente pela amizade.
A moça tcheca que, sabendo que eu visitaria Praga durante alguns dias, me dá as chaves de seu apartamento para que eu dele usufruísse. A explicação para tão nobre gesto é infinitamente bela na sua simplicidade: ela o fez apenas por me ter como amigo. Nada mais do que isso.
A jovem parisiense, sempre atolada de atividades, mas sempre generosa, que encontrou um tempo precioso para reler minha monografia de fim de curso e corrigir meu francês espaguetônico.
A médica italiana que deu três meses de sua juventude para cuidar de crianças pobres no sertão pernambucano.
O filósofo ateu que, há mais de dois anos, ao me alugar o studio, vê minhas evidentes dificuldades no idioma e vai paternalmente comigo até o banco, me ajudar a abrir uma conta.
A norte-americana estudante de arte, elegante e culta, que me brindou com a dádiva de uma amizade sincera.
O casal chileno que não me deixou sozinho no meu primeiro Natal no hemisfério norte, convidando-me para cear com eles.
A colega muçulmana que, tendo ganhado uns convites de cortesia, propõe-me a assistir a um concerto de música clássica.
O paciente egípcio que beija a mão da fonoaudióloga que o atendeu, em sinal de gratidão.
O rapaz francês que sempre se lembra deste perna-de-pau que vos escreve na hora de organizar a pelada do fim de semana.
Ah, Houellebecq, se você – e todos nós – abríssemos os nossos olhos e nos dispuséssemos a ver!
Entenderíamos que o mundo é uma maravilhosa encruzilhada de humanidades, repleta de um caleidoscópio de pessoalidades lindas e incoerentes, sujas e mágicas.
Perceberíamos brasileiros truculentos, mas contemplaríamos entre eles muitos brazucas gentis e cultos; enxergaríamos franceses doces em meio a outros ranzinzas.
Compreenderíamos que a nacionalidade, a etnia ou a religião a que pertencemos não são as raízes de nossas virtudes e defeitos; na verdade, nada disso nos faz melhores.
Vislumbraríamos que não há brasileiros, nem franceses, nem negros, nem árabes, nem judeus, nem católicos, nem protestantes, nem homossexuais, nem heterossexuais.“Existe é homem humano”, lembra Riobaldo. E existem essas minhas lágrimas que, ante a contemplação do homem, escorrem neste meu rosto crispado de humanidades.
Leonardo de Souza, falando da Terceira margem do Sena.
Minas ainda existe.

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Posted: 16 Oct 2010 08:56 PM PDT
Desconstruir concepções infundadas e preconceituosas é talvez a aventura mais extraordinária e comovente que vivo na Europa. Uma a uma, diversas idéias tortas que trouxe comigo do Brasil são sistematicamente moídas.
[...]
Ah, quão maravilhoso é o tempo em que meu coração fica aberto à humanidade alheia, em que vivo o tempo de que fala Drummond, no poema “Mãos Dadas”:
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
A vida presente
Quantas experiências e pessoas lindas eu tenho visto nesse tempo presente…
O judeu suíço que, terminado seu estágio no hospital em que trabalho, me deu um ótimo armário que ficava em sua casa… E ainda me ajudou a trazê-lo (de metrô) ao meu apartamento, que fica no sexto andar de um prédio sem elevador. Não recebeu nada em troca: foi movido somente pela amizade.
A moça tcheca que, sabendo que eu visitaria Praga durante alguns dias, me dá as chaves de seu apartamento para que eu dele usufruísse. A explicação para tão nobre gesto é infinitamente bela na sua simplicidade: ela o fez apenas por me ter como amigo. Nada mais do que isso.
A jovem parisiense, sempre atolada de atividades, mas sempre generosa, que encontrou um tempo precioso para reler minha monografia de fim de curso e corrigir meu francês espaguetônico.
A médica italiana que deu três meses de sua juventude para cuidar de crianças pobres no sertão pernambucano.
O filósofo ateu que, há mais de dois anos, ao me alugar o studio, vê minhas evidentes dificuldades no idioma e vai paternalmente comigo até o banco, me ajudar a abrir uma conta.
A norte-americana estudante de arte, elegante e culta, que me brindou com a dádiva de uma amizade sincera.
O casal chileno que não me deixou sozinho no meu primeiro Natal no hemisfério norte, convidando-me para cear com eles.
A colega muçulmana que, tendo ganhado uns convites de cortesia, propõe-me a assistir a um concerto de música clássica.
O paciente egípcio que beija a mão da fonoaudióloga que o atendeu, em sinal de gratidão.
O rapaz francês que sempre se lembra deste perna-de-pau que vos escreve na hora de organizar a pelada do fim de semana.
Ah, Houellebecq, se você – e todos nós – abríssemos os nossos olhos e nos dispuséssemos a ver!
Entenderíamos que o mundo é uma maravilhosa encruzilhada de humanidades, repleta de um caleidoscópio de pessoalidades lindas e incoerentes, sujas e mágicas.
Perceberíamos brasileiros truculentos, mas contemplaríamos entre eles muitos brazucas gentis e cultos; enxergaríamos franceses doces em meio a outros ranzinzas.
Compreenderíamos que a nacionalidade, a etnia ou a religião a que pertencemos não são as raízes de nossas virtudes e defeitos; na verdade, nada disso nos faz melhores.
Vislumbraríamos que não há brasileiros, nem franceses, nem negros, nem árabes, nem judeus, nem católicos, nem protestantes, nem homossexuais, nem heterossexuais.“Existe é homem humano”, lembra Riobaldo. E existem essas minhas lágrimas que, ante a contemplação do homem, escorrem neste meu rosto crispado de humanidades.
Leonardo de Souza, falando da Terceira margem do Sena.
Minas ainda existe.

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